Muitas vezes escutamos frases como "o mundo está pegando fogo" ou "nunca houve tanta violência".
Outra vezes, algumas pessoas, querendo ser mais precisas, levantam questões como "não está pior, apenas tem mais mídia e, por isso, sabemos de tudo mais rápido".
Ou ainda: "agora tem mais gente no mundo, por isso, mais violência". Alguns, mais "místicos", arriscam ideias de que mesmo terremotos se acumulam na Terra agora.
Enfim, comparações assim tendem a ser inconsistentes porque simplesmente não temos como saber como era a violência há cem mil anos ou quantos terremotos aconteceram há 500 mil anos (provavelmente, bem mais do que agora, aliás).
Se contássemos as pessoas que os marxistas mataram no século 20 deixaríamos qualquer jihadista inseguro com relação a sua eficácia assassina. Quanto à fome, bem, sempre houve pobreza no mundo, porque a pobreza é como a gravidade –quem parar de bater as asas cai nela de volta. A riqueza é que é a coisa nova na face da Terra.
Mas, ainda assim, muitos continuam a ficar perplexos com o mundo contemporâneo. O número de mortes causadas pelo terrorismo! Africanos mortos tentando chegar a Europa! Fome na África! A Rússia engolindo a Ucrânia! Os Estados Unidos do Obama mais perdidos do que cego em tiroteio com o projeto nuclear do Irã! A Europa, coitada, se esforçando para manter a dignidade em cima do salto alto!
A China continua indiferente ao papo que Marx chamava de "humanismo burguês", ou seja, nossa hipocrisia ao fingirmos que nos preocupamos com o sofrimento alheio para jantarmos com a consciência limpa no sábado a noite com amigos.
Quer ver? Apesar de berrarmos "é proibido crianças trabalharem em condição de escravidão", continuamos a gostar de preços baixos no shopping.
No Oriente Médio, os países insistem em não dialogar e resistem à máxima "ame ao próximo como a ti mesmo" (como se ela tivesse algo de óbvio). O Islã continua a dividir o mundo entre "o reino do Islã" (ou da paz e da submissão) e "o reino da guerra" (todo o resto a ser combatido e convertido). Os israelenses continuam a fazer a conta e chegar à conclusão de que os árabes tem muito mais terra e, por isso, deveriam cuidar dos seus (os palestinos).
Afinal, o que toda essa gente tem na cabeça? "Como assim?!", grita o tolinho de plantão. O mundo continua deixando um rastro de sangue por onde passa? Afinal, o mundo teria perdido seu rumo?
Não, o mundo nunca teve rumo. E nunca terá. Mesmo quando vive séculos sob a força de um ou mais poderes "globais", toda ordem mundial é, no fim, uma forma de ilusão ou provincianismo geográfico.
A única coisa que permanece na "ordem global" é o processo interminável de povos devorando outros povos, como dizia o crítico americano Edmund Wilson.
Mas, por uns poucos séculos, achamos que tínhamos uma ordem global –pelo menos pensavam assim os europeus e os americanos.
Segundo o que nos diz Henry Kissinger (que ocupou cargos importantes em geopolítica nos governos de Richard Nixon e Gerald Ford nos anos 1970) no seu brilhante "Ordem Mundial" (ed. Objetiva, R$ 54,90, 432 págs.), do século 17 ao final do 20, vivemos mais ou menos sob a crença na existência de Estados independentes como unidade mínima geopolítica.
Essa ideia, herdada da Paz de Vestfália (1648), assinada entre católicos e protestantes para por fim à guerra dos trinta anos no que hoje chamamos de Alemanha, a grosso modo.
Segundo o tratado, pouco importa no que se acredita em cada Estado, contanto que a violência entre os Estados seja reduzida ao seu mínimo possível. Logo, ninguém se mete na vida interna do outro Estado e se respeita as fronteiras.
Essas unidades geopolíticas agiriam segundo o princípio de redução da violência entre todos, presumindo uma paz pragmática como o melhor dos mundos possível. E, neste mundo, os negócios progrediriam, assim como nos comerciais da CNN.
Infelizmente, o mundo nunca teve rumo. Um dos maiores equívocos de nós modernos, filhos da ordem burguesa de Vestfália, é pensarmos que todos "só querem ganhar dinheiro e viver na monotonia da paz.
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