Cometer genocídios não é para qualquer um. Com a Segunda Guerra Mundial em marcha, as tropas nazistas eliminavam os judeus da Europa de forma manual, ou seja, fuzilando em massa para valas comuns.
Mas o procedimento, executado por jovens soldados com resistência psíquica normal, promovia distúrbios anormais. Era preciso encontrar uma forma mais "impessoal" e maquinal de tratar do assunto sem perturbar a saúde mental das tropas do Reich.
A Conferência de Wansee de 1942 deu uma ajuda para instituir essa matança "industrial". Sinistra ironia: não foi apenas o ódio antissemita que pôs as câmaras de gás e os fornos crematórios a fazer horas extra. Foi também a sanidade do soldado comum, que colapsava depois de dezenas, centenas de assassinatos a sangue frio.
Passaram 70 anos. E os jihadistas do (autointitulado) Estado Islâmico ainda estão no início das suas barbáries. É duvidoso que, no clima de fervor religioso e homicida em que vivem, os militantes tenham uma saúde mental tão frágil como as tropas de Hitler. Mas é impossível não detectar algumas semelhanças nos procedimentos gerais do grupo quando os comparamos com os totalitarismos europeus.
As semelhanças podem ser simbólicas: Hitler perseguiu e destruiu artistas "decadentes" que, pela criação modernista, se afastavam da utopia rácica germânica.
Os jihadistas entendem do assunto: não há semana em que não surjam notícias de museus, monumentos ou cidades inteiras devidamente destruídas na busca de uma nova utopia.
E, depois das ações simbólicas, temos as sangrentas propriamente ditas: em Fevereiro, mais de duas dezenas de cristãos coptas foram decapitados pelos jihadistas no Egito. Agora, é provável que 30 cristãos etíopes tenham sido executados na Líbia. Curioso: a "praga judaica" de ontem foi substituída pela "praga cristã" de hoje.
Curioso, sim, mas não original: a atitude faz parte do pensamento totalitário: encontrar um grupo - os judeus, para os nazistas; os "kulaks", para os bolcheviques; os cristãos, para os jihadistas - que passam a ocupar o altar sacrificial da loucura.
Enganam-se os que pensam que o (autointitulado) Estado Islâmico é um fenômeno "medieval". Isso é um insulto à Idade Média.
Pelo contrário: como John Gray sugere em livro que recomendo ("Al-Qaeda e o que Significa Ser Moderno", editora Record), o que define o islamismo radical é a vocação bem moderna de refazer o mundo (e os homens) à luz de uma concepção utópica de política.
Quando o leitor escutar algum sábio para quem a palavra "islamofascismo" é uma simplificação e um erro, por favor, não se admire: o seu interlocutor não faz a mais pálida ideia do que foi o fascismo. Ou o comunismo.
Eric Garner, Walter Scott, Michael Brown: o que têm esses nomes em comum? Respondo: todos eles foram vítimas de brutalidade policial nos Estados Unidos. Pormenor relevante: os três eram negros.
Qualquer pessoa racional, confrontada com os fatos e em caso de crime provado, só pode esperar que os policiais sejam punidos. Só pode esperar, no fundo, que o Estado de Direito seja cego e justo.
Infelizmente, a "escritora" Toni Morrison, 84, deseja mais: em entrevista ao "The Sunday Telegraph" a Nobel da Literatura disse que gostaria de ver um policial abater pelas costas um adolescente branco desarmado.
A frase arrepia por dois motivos.
O primeiro, óbvio, é que a violência policial também se exerce contra brancos - sobretudo contra brancos pobres ("white trash"), que vivem nas margens da sociedade americana.
Mas a frase revela mais: desejar a morte de um adolescente branco para compensar um crime sobre um adolescente negro só revela o exato tipo de racismo que a sra. Toni Morrison condena na polícia.
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