terça-feira, 28 de junho de 2016

Reflexões sobre o 'Brexit' - J. P. Coutinho

1. Escrevi na semana retrasada que esperava pela vitória do "sim" no "Brexit". Aconteceu. E amigos preocupados com a minha sanidade perguntaram em coro: "Quando te curas de tanta anglofilia?"

Respondo em defesa da honra: eu não "sofro" de anglofilia. Eu aprendo com os anglo-saxônicos. Existe uma diferença. "Aprender", no contexto, é repetir a célebre observação da historiadora Gertrude Himmelfarb de que o Reino Unido passou por todas as revoluções da modernidade –industrial, econômica, social, cultural etc.– sem nunca ter recorrido à Revolução (com maiúscula).

Modestamente, eu creio que existe algo a aprender com uma cultura política que não tem a vergonhosa e sanguinária folha de serviço da Europa continental no século 20. O Gulag, Auschwitz e até o pequeno Salazar nunca foram a minha praia.

2. Sou europeu até ao tutano. Considero a União Europeia uma das mais preciosas criações políticas do pós-guerra. Sempre fui crítico do excessivo (e, como se vê, autodestrutivo) centralismo de Bruxelas.

Imagino que essas três frases provoquem confusão no auditório (um problema que, lamento, é do auditório). Por incrível que possa parecer, eu não confundo a Europa com a União Europeia. E, para voltar à anglofilia, aqui vai: sempre me senti bem na "pérfida Albion"; mas só me sinto verdadeiramente em casa em Lisboa, Florença ou Budapeste.

Não troco os cafés de Paris por nenhum pub inglês. Rio alto com Evelyn Waugh, mas sei que Proust é outra história. Turner é um impressionista "avant la lettre"; mas o Impressionismo francês não tem termo de comparação. Benjamin Britten ou Vaughan Williams são compositores estimáveis; mas o que é isso quando comparado com Bach, Mozart ou Wagner?

E, filosoficamente falando, admito que a filosofia ocidental seja uma nota de pé de página de Platão. Como dizia um filósofo (britânico).

3. A mídia reagiu ao "Brexit" com estupefacção, horror, desmaios. Isso mostra duas coisas. Em primeiro lugar, a impressionante preparação intelectual que reina em muitas redações.

Mas mostra, sobretudo, como a única ideologia dominante do século 21 é mesmo o "globalismo".
Por "globalismo", entenda-se: a crença de que, para problemas globais, é preciso um governo global. O que implica, naturalmente, que os anacrônicos Estados-nação, com as suas limitadas "democracias liberais", não fazem mais sentido.

John Fonte escreveu um importante livro sobre o tema ("Sovereignty or Submission"), em que relembra que o globalismo sempre fez parte da história do pensamento político. Do poeta Dante ao filósofo Kant, de Victor Hugo a Albert Einstein, são vários os nomes para os quais o mundo é um assunto demasiado importante para ser deixado aos diferentes Estados soberanos.

Fatalmente, o pensamento globalista não perde tempo com uma evidência histórica: não há nada mais perigoso do que alimentar nos povos a certeza de que o destino já não repousa nas suas mãos.

4. Como explicar o "Brexit"? Lendo a histeria publicada, parece que o "Brexit" foi responsabilidade exclusiva de uma extrema direita xenófoba, ignorante e populista.

Sim, essa extrema direita esteve presente com suas boçalidades racistas. Mas, ironicamente, quem decidiu o referendo foram os velhos esquerdistas do Labour –do norte e centro do país–, que votaram contra o próprio líder do partido, Jeremy Corbyn (ele próprio um vociferante eurocético no passado).

Como é evidente, dispenso a companhia dessa turma. E prefiro escutar, e concordar, com autores de direita ou esquerda que sempre questionaram o modelo "globalista" para o Reino Unido quando a história do país está indissociavelmente ligada com a sua tradição de liberdade, soberania e "rule of law".

5. Jean-Claude Juncker, o atual presidente da Comissão Europeia, desabafou em tempos que o problema da União Europeia era ter "europeus em part-time". Entendo a angústia de Juncker. E é provável que, perante o divórcio inglês, exista a tentação de forçar os restantes povos do continente a uma entrega total ao "projeto europeu".

Dizer que essas "engenharias sociais" nunca funcionaram é um cômico eufemismo. Melhor escrever que a União Europeia só sobreviverá (e eu espero que sobreviva) se aceitar europeus em "part-time", permitindo que os países tenham diferentes níveis de integração no projeto, de acordo com as suas vontades e necessidades. Soberanas.

Salvar a União Europeia só depende da União Europeia.

Nós que amamos as mulheres - Pondé (27/06/16)

Nós que amamos as mulheres, seu cheiro, sua beleza, seu tédio, sua inteligência sinuosa, precisamos nos posicionar claramente nesse assunto de violência contra elas. Devemos neutralizar quem faltar com respeito com elas, quem abusar delas, quem assediá-las; enfim, todos esses covardes que andam por aí. Sim, neutralizar pode significar usar da força física contra esses odiadores das mulheres.

Covardes e incapazes de lidar com uma beleza que não lhes pertence, com uma inteligência que os supera, com uma vontade que é só delas.

Não basta ensinar aos meninos nas escolas a respeitarem as meninas (ainda que seja, sim, necessário). Esse ensino não deve passar pela demonização dos anseios deles para com a beleza e doçura delas. Não se deve ensinar que não existem diferenças entre os sexos. E nada nessas diferenças implica em um ser melhor ou pior do que o outro.

Deve-se ensinar aos meninos, desde cedo, nas escolas e em casa, que eles são responsáveis pela integridade física e moral das meninas. Que devem cuidar delas. Quando alguém na escola estiver maltratando uma colega, ele deve defende-la, mesmo que seja na porrada.

Isso nada tem a ver com uma ideia histérica que corre por aí dizendo que mulheres "não precisam" de homens. Todos nós precisamos uns dos outros. A força física maior dos homens deve ser trazida para o debate sobre a violência contra a mulher como um elemento positivo na situação, e não apenas como a "vilã" da história. Se, ao longo dos milhares de anos de nossa espécie, não tivéssemos defendido aquelas que amamos, não teríamos chegado até aqui. E que nenhuma figura provida da mais vil má-fé venha dizer que isso seja "machismo".

Por isso, precisamos "ressensibilizar" os meninos desde cedo, para sua responsabilidade para com a integridade física e moral das meninas. E isso não tem sido muito levado em conta em todas as campanhas e tentativas de combater a violência contra a mulher. Pelo contrário, é quase como se, para estar ao lado das mulheres, o homem devesse ser "menos homem" e defende-las com cartazes na mão dizendo "respect our women", em vez de simplesmente usar da capacidade física masculina para neutralizar o agressor.

Concordo plenamente com o que disseram algumas jornalistas europeias na época do caso de Colônia, na Alemanha, na virada de 2015 para 2016, quando alguns homens abusaram de algumas mulheres no Ano Novo. Nos dias seguintes às agressões, elas reclamaram que, ao invés de fazer frente "à violência covarde com a violência corajosa", os homens que ali estavam optaram por uma "manifestação de repúdio" à violência contra as mulheres no dia seguinte. Como se incapazes fossem de usar a força que lhes é dada pela natureza em favor das mulheres, aqueles homens acabaram por compactuar com o mau uso da maior força física dos homens contra suas vítimas, as mulheres. Homens que se limitam a ir a passeatas contra a violência contra a mulher é como gente que descreve a água enquanto a outra se afoga.
Não há lei que resolva essa cultura de desrespeito à mulher (apesar de que leis são necessárias); não há polícia suficiente que dê conta do patrulhamento das ruas (apesar de que também isso seja necessário); não há conscientização acerca dos direitos das mulheres que seja suficiente (apesar de que campanhas nesse sentido também sejam necessárias); não há mudança nos trajetos dos ônibus à noite para que deixem as mulheres mais perto de casa que dê conta (ainda que isso seja louvável).

É necessário um movimento para que todos os homens que amam as mulheres chamem para si essa responsabilidade. Que sejamos sensibilizados a entender que nossas mulheres, amantes, namoradas, filhas, mães, irmãs, amigas e colegas precisam de nós de modo concreto na interdição ao abuso da força física masculina contra as mulheres. Que sem assumirmos nosso destino de mais fortes, esse problema não acabará.

Há que se inverter o "sinal negativo" da força física masculina neste embate. Sem a participação dos homens que amam as mulheres não daremos conta desse mal.