terça-feira, 9 de abril de 2013

Algumas razões para se deprimir - Pondé


Diante da questão de Hamlet, "ser ou não ser, eis a questão", a resposta talvez seja "não ser". Deprimir-se ou resistir?
Dias assim, melhor dormir. Mas, como a vida continua, insistimos. Um tratado de "Crítica da Razão Deprimida" deveria começar pela descrença na democracia.
Como crer na democracia quando sabemos que a popularidade de nossa presidente é alta? Se o pastor Feliciano não tem o perfil para o cargo, tampouco ela o tem. Lembramos então do que dizia o líder inglês durante a Segunda Guerra, Winston Churchill: "Quando falo com os eleitores, duvido da democracia".
Por quê? Como "o povo" pode continuar crendo na economia quando ela já dá sinais de queda há algum tempo?
Claro, quem entre aqueles que vivem graças a bolsas famílias pode entender que uma mentalidade entre o varguismo e o comunismo (como a da nossa presidente e a do restante do PT, que continua na sua marcha para transformar o país num país comunista) não pode fazer nada pela economia do país? E, mais, que, se a economia vai para o saco, as bolsas também vão?
Claro, o problema é que na democracia dependemos da maioria, e esta é quase sempre estúpida. Sei que muitos não concordam com essa ideia e, mais do que isso, entendem que há algo de "sagrado" na sabedoria do povo.
Mas, sei também que quem afirma isso, conhecendo um pouco de história, o faz por má-fé, ou simplesmente, por mais má-fé ainda. Temo que esteja sendo redundante, mas a redundância é uma vantagem evolutiva em meio às obviedades contemporâneas.
Outra coisa que me faz suspeitar de que os deprimidos têm razão me ocorre quando ouvimos gente supostamente inteligente falar coisas como "a comunidade internacional decidiu X". O que vem a ser isso mesmo? Onde ela se encontra? Na ONU? Esta estatal internacional mais corrupta do que a república da banana? A ONU é uma mistura de circo com mensalão. Um cabide de emprego para países de Terceiro Mundo.
Como crer em quem crê numa "comunidade internacional"? A "comunidade internacional" só funciona quando tem interesses comerciais em jogo. E olhe lá.
Qualquer decisão da "comunidade internacional" no âmbito moral (como, por exemplo, a partir de hoje estão proibidas a fome, a tortura, a violência contra os mais fracos) é tão séria quanto a declaração de que Papai Noel deve existir porque, do contrário, estamos indo contra o direito à fantasia infantil.
Imagino que os neandertais que são contrários à publicidade infantil concordariam com uma ideia boba como essa.
Mas, é claro, toda vez que alguém diz acreditar na "comunidade internacional" não o faz por ingenuidade, mas, sim, porque este alguém ganha algo com isso, mesmo que seja apenas fama de bonzinho.
E a decisão britânica de criar um órgão do governo para censurar a mídia? Claro, dirão os mesmos que acreditam na "comunidade internacional" que a mídia deve ser "impedida" de circular ideias preconceituosas e ideologicamente perversas.
O caso britânico -resultado da baixaria de alguns "funcionários excessivos" determinados de um jornal específico- não justifica a criação deste órgão fascista para controlar a mídia.
Deduzir a necessidade de controle da mídia do fato de alguns jornalistas terem colocado escutas na vida de cidadãos é como decidir colocar câmeras em todas as salas de aula porque existe risco de abusos por parte de professores e alunos.
O grande erro histórico foi não perceber que a vocação fascista não era um traço só de Mussolini e Hitler, mas sim de todas as propostas de que a política e a educação sejam irmãs gêmeas, ou, dito de outra forma, de que a "política deva fazer moral".
Esta ideia é típica da tradição política contemporânea baseada na premissa de que a política deve "construir um homem melhor". Neste sentido, a esquerda é absolutamente fascista e, como ela venceu na cultura, na educação e nas ciências humanas como um todo, não há esperanças.
É impressionante como "os bonzinhos" de uns dias para cá foram tomados por um amor meloso pelas suas empregadas domésticas. Seria isso uma forma de atestar pureza racial (desculpe, moral) para a burocracia fascista de nossos dias?

Os canalhas da Humanidade - J. P. Coutinho

Que sorte, Brasil: nas livrarias há uma nova edição das "Reflexões sobre a Revolução na França" (Top Books), o clássico de Edmund Burke que praticamente inaugurou o conservadorismo moderno. Digo "nova edição" porque existia uma antiga, da Universidade de Brasília, que li e não gostei.

Essa nova, pelo contrário, tem tradução competente de Eduardo Francisco Alves e permite revisitar os argumentos centrais de Burke, não apenas contra a Revolução Francesa mas contra o pensamento utópico e suas consequências potencialmente destrutivas.

Deixarei esses argumentos para um próximo artigo. Hoje, fico com Jean-Jacques Rousseau. Nas "Reflexões", Rousseau é tratado com uma dureza exemplar: o "filósofo da vaidade", dirá Burke. Alguém que era capaz de proclamar em público o seu amor pela humanidade --mas, em privado, não hesitara em abandonar os filhos na roda dos enjeitados.

Durante décadas, acadêmicos sofisticados nunca perdoaram essa crítica pouco sofisticada de Burke. Conheço alguns. A filosofia de Rousseau é uma coisa, dizem eles; sua relação com os filhos, outra. Nenhum intelectual deve ser julgado à luz da sua conduta privada.

Concordo. Até certo ponto. Anos atrás, ao ler a autobiografia que o grande cronista inglês Auberon Waugh escreveu ("Will This Do?", Carroll & Graf, 288 págs.), encontrei um retrato demolidor sobre o pai, o inultrapassável Evelyn Waugh.

Uma passagem do livro ficou célebre: acontece quando, depois da Segunda Guerra Mundial e com a Inglaterra a viver os horrores do racionamento de comida, o pai Evelyn come na frente dos filhos esfaimados todas as bananas disponíveis na mesa de jantar.

Era a primeira vez em anos que as crianças viam bananas. E foi a última vez que Auberon levou a sério o moralismo do pai.

Entendo a desilusão do filho. Mas eu não sou filho de Evelyn Waugh. Sou leitor. E, como leitor, não existe qualquer abismo entre a crueldade privada e a sua colérica persona
pública.

Nos diários de Evelyn Waugh, os filhos só existem como objeto de desprezo ou coisa pior. E, sobre os romances, o óbvio: Evelyn Waugh nunca enganou. O seu desprezo sarcástico pela Humanidade (com maiúscula) é a medida de toda a obra.

Minha náusea é só com os que enganam: intelectuais que gostam de dar sermões humanistas ao público lacrimejante (como nas peças de Arthur Miller) e depois esquecem os seus filhos com síndrome de Down em instituições psiquiátricas, rasurando o fato das suas respectivas memórias (idem Arthur Miller).

Essa hipocrisia repugnava igualmente Burke. Não apenas por motivos éticos. Também por motivos políticos: o problema com os "filósofos da vaidade" não está simplesmente na dissonância entre o que dizem e o que fazem.

O problema está na forma como, recusando pensar politicamente a partir do seu "pequeno pelotão" (uma ideia que Burke recolheu em Adam Smith), eles fogem para grandes categorias abstratas (a humanidade, a igualdade, a raça, o proletariado etc.) e infligem transformações radicais e violentas sobre a exata realidade da qual fugiram.

Em rigor, Burke não estava preocupado com os pobres filhos de Rousseau. O que ele não podia tolerar era que a atividade política pudesse ser dirigida por alguém que, em nome da sua própria vaidade, trocara as circunstâncias reais por puras fantasias dogmáticas.

Só canalhas amam a Humanidade (com maiúscula). E só grandes homens são capazes de exercer a sua humanidade (com minúscula). Homens como o anônimo Manuel Condez, 60, um ex-bancário que ajudou o filho com paralisia cerebral a terminar o curso universitário.

Conta o jornalista Jairo Marques, em excelente matéria para esta Folha no último domingo: "O pai assistiu a todas as aulas, anotou as lições dadas pelos professores, auxiliou o filho na feitura das provas escrevendo no papel aquilo que ele lhe soprava".

E quando homenagearam o pai no dia em que o filho Marco, 26, recebeu o diploma, o pai respondeu: "Não fiz nada demais".

Não fez nada demais: entregava mais depressa os destinos de um governo a esse homem do que a grande parte dos meus colegas literatos.