terça-feira, 16 de outubro de 2012

A desgraça da sala de professores



Texto de um grandessíssimo amigo meu, genial, sobre a horrorosa sala dos professores. Disse o que todos que tem o mínimo de massa encefálica deveriam dizer mas não têm coragem (como eu...):




Eu sou o ser mais preguiçoso da galáxia. Sério. Só estou esperando protocolarem e enviarem meu certificado da associação intergalática.

E andava meio incomodado com o uso do termo nos debates públicos. "Ai que preguiça", cada vez que alguém se depara com uma idéia (I-DÉ-I-A: tirem as mãos do meu acento agudo) muito, muito contrária. Como profissional do ramo fiquei algo agastado com a banalização do termo.

Mas enfim, estou dando aulas em um colégio e estava tomando o clássico café na sala dos professores. E um professor mais que ateu, ateísta, quero dizer, ativista do ateísmo, me saiu com esta:

"Uma aluna disse em aula - mas se deus não existe como é que os gatos têm listras tão bonitas? - eu simplesmente não tive paciência de argumentar. Que preguiça desse tipo de abordagem." Nota: a aluna tem menos de quinze anos.

Tive que sair do meu habitual silêncio:

"É por causa de uns profissionais fraquinhos como você que o mundo tá cheio de gente preguiçosa. Você está ensinando essa garotada desde cedo que existem questionamentos inteligentes e questionamentos burros - os que dão preguiça no intelectual de alto gabarito".

Ele me olhou com aquela cara de "vou contar tudo pra diretora". Pensei "Me fodi". Mas já que tinha começado continuei:

"O questionamento da menina é pra começo de conversa suficientemente poético pra merecer a atenção até de um chimpanzé. Mas o que você não enxerga é que independentemente do conteúdo do questionamento, ele é importante por si só. A gente precisa incentivar a discussão, incentivar a dúvida. Por causa de uns tipinhos que nem você é que os jornais, a TV, os livros e as revistas estão cheias de gente dizendo "aaaaii meo deos, que preguiça dessa gente ignorante, infantil" - porque não vêem importância nos questionamentos em si - só vêem importância nos questionamentos que passam pelo crivo de sua erudição. Tinham que ter aprendido a não ser preguiçosos desde o primário - ou ensino fundamental, como queira."

Meu colega de departamento estava gravando tudo, por isso que estou com o diálogo assim, debaixo dos dedos, palavra por palavra. Ele quer botar no YouTube, mas não vou deixar. Preguiça de ler os comentários depois.



Valeu, querido amigo. Sou sua fã!

Exemplos Terminais - J.P. Coutinho



O que não me mata me fortalece. Assim falava Nietzsche. E assim pensamos nós.

Sempre que o teto desaba, o lema serve de consolo. Se passarmos por isto, chegaremos ao outro lado mais fortes.

Talvez sem o saber, o mais anticristão dos pensadores modernos reatualizava, em linguagem secular, uma velha promessa cristã: a ideia de que existe um sentido último para o calvário da vida. Nietzsche, o supremo iconoclasta, não resistiu à tentação de erguer uma estátua a si próprio.

Christopher Hitchens discorda de Nietzsche. Eu concordo com Hitchens. O sofrimento não nos torna mais fortes. Aquilo que concede uma ilusão de força é a evidência prosaica de que, às vezes, sobrevivemos para contar.

É essa espantosa confluência de alívio e surpresa que alimenta em nós a crença infantil de que estamos um pouco mais indestrutíveis.

Nenhuma dessas ilusões habita "Últimas Palavras" (Globo Livros, R$ 24,90, 96 págs.), que são de fato as últimas palavras que Christopher Hitchens escreveu. Eis o mérito do livro: a doença que o visitou em 2010 e o matou em 2011 --um câncer no esôfago-- não merece nenhum tratado metafísico.

A pergunta não é "por que a mim?", esclarece ele. A pergunta é outra: "E por que não a mim?"

Aceitar essa premissa é a primeira vitória sobre a morte: não há nada que mais enfureça a Velha Senhora do que a forma natural como lhe abrimos a porta.

Claro que o medo e o sentimentalismo espreitam sempre. Hitchens gostaria de assistir ao casamento dos filhos (ainda) pequenos. E de visitar o World Trade Center, novamente ao alto em Manhattan. E de escrever os obituários de Henry Kissinger ou Joseph Ratzinger.

Sem falar do resto: preservar ainda a voz; preservar ainda a capacidade de escrever; preservar, no fundo, um sentido de identidade --ou, no mais literal sentido da frase, de "liberdade de expressão".

Mas as coisas não funcionam assim no planeta câncer. Nesse planeta, tudo é negócio, conta Hitchens: se estivermos dispostos a ceder o paladar, a digestão, a voz, a força anímica, o cabelo, a capacidade de concentração e outras matérias mais íntimas, então talvez tenhamos mais uns meses, ou anos, de vida.

Hitchens aceitou o negócio e, nas páginas seguintes, vai descrevendo todas as etapas da doença --os tratamentos, as esperanças, as desesperanças-- com uma mistura de resignação estoica e elegantíssima ironia. É a segunda vitória sobre a morte: não há nada que mais enfureça a Velha Senhora do que a forma sorridente como a convidamos para tomar chá na sala.

Então os dias passam a ser divididos em duas metades: a manhã para os advogados, as tardes para os médicos. Que o mesmo é dizer: dias repartidos entre a preparação para o pior e a preparação para evitar o pior.

Se Scott Fitzgerald tinha razão ao afirmar que a marca de um intelecto superior está na capacidade de manter duas ideias contraditórias na cabeça e, apesar disso, continuar a funcionar, Hitchens passa no teste com distinção.

Finalmente, o tema inevitável: Deus. Quando se soube da doença, percorreu por um certo mundo crente o frêmito de que a doença era um castigo de Deus a um ateu militante e, atendendo à localização do tumor, vociferante.

Essa foi a primeira versão do regozijo fanático. Mas houve outra, em variação mefistofélica: o câncer era um teste último para que o mais famoso ateu do planeta renunciasse às suas "blasfêmias" e abraçasse uma qualquer espécie de fé, digamos, terminal.

Em relação aos primeiros, Hitchens pergunta, sem o tom histérico de panfletos anteriores, que tipo de Deus seria esse, capaz de fulminar um incréu com algo tão banal e entediante como um câncer. Mais que isso, banal, entediante e teologicamente democrático: santos ou pecadores, todos eles podem conhecer a mesma barca.

Em relação aos segundos, Hitchens prefere evocar Voltaire, que na hora da morte foi convidado a renunciar ao diabo. Resposta do francês: este não é o momento de arranjar novos inimigos.

Voltaire sabia, como Hitchens soube, que a morte não passa de um fato sem grandeza. Porque de nós, do que fomos ou fizemos, tudo o que restará é apenas o exemplo.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

ENXAME DE ABELHAS - Pondé



"Vou me pintar de afrodescendente", gritou irritado um amigo meu carcamano, um apelido carinhoso que espero nunca ser considerado assédio cultural.

Às vezes, à noite, sou atormentado pelo que dizia Paulo Francis: os "frouxos venceram", não vamos poder pensar, dizer, criar, intuir mais nada que não esteja na cartilha dos autoritários. Sob o signo dos ofendidos, cala-se a alma, o humor e a inteligência. Antes era em nome do racismo nazista, do novo homem comunista, das heresias, agora é em nome dos "ofendidos".

Este meu amigo, normalmente, é uma pessoa doce, mas às vezes perde as estribeiras. Outro dia, acabou indo com a esposa e as duas filhas, num domingão quente pra burro, ver a Bienal no Ibirapuera.

Parou o carro longe (claro, trânsito infernal, sem lugar para parar o carro, e chamam isso de lazer...) e teve que fazer as três meninas andarem até o pavilhão sob o Sol, obviamente o culpando por tudo.

A mulher sempre culpa o marido por tudo de forma tranquila e sem pudores. Estas queixas vêm seguidas de beijos, sorrisos e sexo, quando passa a irritação, que numa mulher passa na mesma velocidade da luz em que ela cai no tédio.

Aprendeu uma dura lição: Ibirapuera domingo é para iniciantes (a menos que chova, aí é legal...), pior quando tem Bienal porque aí se junta o povo que quer ter saúde com o povo que quer fingir que gosta de arte. O mundo está dividido em dois grupos: os que gostam de arte e os que gostariam de gostar de arte.

O mesmo vale para jazz, blues e música erudita.

Outro dia ele foi fazer aquele negócio chamado "controlar", mais uma taxa para pagarmos. Esta é "verde". O burocrata técnico recusou seu carro por um detalhe qualquer. Daí, ele teve que começar tudo de novo. A vida, passo a passo, se torna uma teia infernal de controles.

O melhor é não ter carro, não dar emprego a ninguém, não casar, não ter filhos, enfim, negar investimento a um mundo controlado pelos "babacas do bem".

Mas não é disso que quero falar, mas sim da irritação do meu amigo carcamano com o novo edital racista do Ministério da Cultura. Todo mundo ouviu falar do edital para afrodescendentes (não ouso usar qualquer outra expressão por medo de ter minha vida destruída pelos "amantes da liberdade").

Enquanto esses tecnocratas ideológicos não conseguirem criar de fato racismo à la Ku Klux Klan no Brasil, não sossegarão.

A indústria do assédio jurídico cresce e os amantes da liberdade que tanto criticam a maldita ditadura e pedem uma Comissão da Verdade só para um dos lados, gozam com as novas formas de autoritarismo que empesteiam nossas vidas.

O apartheid do bem é a nova invenção do governo. Tanta gente morreu na Segunda Guerra Mundial, tanta gente morreu na mãos dos comunistas, e o fascismo venceu assim como um enxame de abelhas vence: começa devagar, você achando que está lutando apenas contra uma, mas, zumbindo, elas invadem sua casa e sua vida.

No mesmo processo, querem proibir Monteiro Lobato. Adianto que não gosto da obra de Monteiro Lobato, nem ela me marcou na infância. Preferia as aventuras de Abraão, Moisés e Deus. Mas meu gosto pouco importa.

Por que não fazem esses fascistas assistirem à famosa cena em que nazistas queimavam livros na Alemanha de Hitler? O que esses tarados não entendem é que os nazistas também achavam que tinham um bom motivo e que aqueles livros degeneravam as novas gerações. Alguma semelhança?

E ainda, para piorar, quem paga essa farra fascista somos nós. O governo e sua máquina imoral de arrecadação de impostos, este sócio parasita de cada pessoa que trabalha no país, alimenta tecnocratas aos montes deixando que inventem medidas discriminatórias dizendo que são do bem.

O argumento de que somos todos culpados pela escravidão é falso. Não conheço, no meu círculo de pessoas, ninguém que tenha tido escravos ou ganhado dinheiro com a escravidão ou coisa parecida.

Melhor seria este governo fascista criar uma educação decente de uma vez por todas para acabar com a pobreza cultural do país em vez de ressuscitar medidas racistas.