sexta-feira, 22 de julho de 2011

Escorpiões da alma

Freud, Além da Alma
John Huston
1962

Freud é um daqueles seres que entortam nosso mundo up side down. Meu conhecimento sobre psicologia ou psicanálise não ultrapassa o ordinário, mas confesso que depois deste filme pensei seriamente em fazer análise.
O filme retrata de uma forma bastante didática como se deu o surgimento de uma das maiores e mais complexas teorias sobre o lado escuro humano: a descoberta do inconsciente, o acesso a ele e, em consequência, a elaboração do Complexo de Édipo.  
Não vou aqui tecer delongas sobre o que sabemos ou não sobre a mente humana , mas uma das cenas mais marcantes do filme é aquela em que o velho professor de Freud, que não dá crédito às pesquisas sobre a histeria que Freud vem desenvolvendo, mostra-lhe uma caixa que guarda entre os livros da biblioteca, repleta de um conteúdo bastante inesperado: escorpiões. Ao abri-la diz algo do tipo: é melhor que os escorpiões permaneçam na escuridão.
Fiquei a imaginar até que ponto é bom, saudável ou necessário revirar nosso incosnciente para sanar traumas escondidos. Não consigo chegar a uma conclusão. Ao mesmo tempo que "a verdade liberta", o conhecimento também traz a desgraça. Quanto mais sabemos, mais de perto vemos o mal.
O filme é excelente, a teoria é assustadora e a escolha fica a critério de cada um.

Eu quero viver no Velho Oeste

True Grit
Bravura Indômita
2010
Joel and Ethan Coen
Eu devo estar no lugar errado, no tempo incerto. Deveria ter nascido no Velho Oeste norte americano, lugar onde os homens têm coragem, a lei funciona na base da honra e as mulheres são uma mistura de animal selvagem e inocência. 
E assim condecoro Bravura Indômita como o último suspiro do bom e velho bang-bang americano. Claro, não poderia ser diferente sendo feito por quem foi ( a não ser fosse de Clint Eastwood. Aí não teria comparação). Mas sou suspeita para falar dos Irmãos Coen. Gosto de praticamente tudo que fizeram. Esse não ficou atrás. Da citação de proverbébios que abre o filme à música final que o encerra, tudo cabe perfeitamente bem nessa história. 
Agora é correr para ver o original antes que as férias acabem.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Good

Um Homem Bom.
Good.
Vicente Amorim
2008

Confesso que demorei tempo demais para assistir a este filme. Não consegui vê-lo no cinema e depois disso, por um motivo ou outro, acabei deixando passar. Mas o texto de Pondé desta semana acabou por me lembrar dele.
Este é um daqueles filmes que revertem a ideia pronta que tem-se sobre algo, neste caso o nazismo. Assim como "O Leitor", o filme humaniza as pessoas que fizeram parte do regime totalitário e mostra como é possível uma pessoa boa fazer parte de algo não tão bom assim. O cotidiano, o frio dia-a-dia caseiro familiar, a vida acadêmica, tudo é colocado como a mola propulsora que impulsiona a vida ordinária a algo maior: o Parido Nacional Socialista.
Por vezes o personagem principal, interpretado por Viggo Mortensen, me pareceu bobo e ingênuo demais para um acadêmico, mas a sua bondade é inquestionável: cuida da casa, cozinha, aguenta uma mulher neurótica, uma mãe doente e dois filhos. Mesmo quando abandona sua mulher por outra mas jovem e bonita (of course) ele não permite que a ex-mulher se retrate: a culpa é toda dele. O bom homem. Good.
E assim, deste tipo - e de outros - o nazismo foi se solidificando e construindo seu império holocáustico.
Quem nunca pecou, que atire a primeira pedra. 

ps: palmas para o diretor brasileiro Vicente Amorim, que também participou de "Brincando nos Campos do Senhor".

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A TENTAÇÃO TOTALITÁRIA - Pondé

VOCÊ SE considera uma pessoa totalitária? Claro que não, imagino. Você deve ser uma pessoa legal, somos todos.
Às vezes, me emociono e choro diante de minhas boas intenções e me pergunto: como pode existir o mal no mundo? Fossem todos iguais a mim, o mundo seria tão bom… (risadas).
Totalitários são aqueles skinheads que batem em negros, nordestinos e gays. 
Mas a verdade é que ser totalitário é mais complexo do que ser uma caricatura ridícula de nazista na periferia de São Paulo. A essência do totalitarismo não é apenas governos fortes no estilo do fascismo e comunismo clássicos do século 20. 
Chama minha atenção um dado essencial do totalitarismo, quase sempre esquecido, e que também era presente nos totalitarismos do século 20.
Você, amante profundo do bem, sabe qual é? Calma, chegaremos lá.
Você se lembra de um filme chamado “Um Homem Bom”, com Viggo Mortensen, no qual ele é um cara legal, um professor universitário não simpatizante do nazismo (o filme se passa na Alemanha nazista), e que acaba sendo “usado” pelo partido? Pois bem. Neste filme, há uma cena maravilhosa, entre outras. Uma cena num parque lindo, verde, cheio de árvores (a propósito, os nazistas eram sabidamente amantes da natureza e dos animais), famílias brincando, casais se amando, cachorros correndo, até parece o Ibirapuera de domingo.
Aliás, este é um dos melhores filmes sobre como o nazismo se implantou em sua casa, às vezes, sem você perceber e, às vezes, até achando legal porque graças a ele (o partido) você arrumaria um melhor emprego e mais estabilidade na vida. Fosse hoje em dia, quem sabe, um desses consultores por aí diria, “para ter uma melhor qualidade de vida”.
E aí, a jovem esposa do professor legal (ele acabara de trocar sua esposa de 40 anos por uma de 25 -é, eu sei, banal como a morte) o puxa pelo braço querendo levá-lo para o comício do partido que ia rolar naquele domingão no parque onde as famílias iam em busca de uma melhor qualidade de vida.
Mas ele não tem nenhuma vontade de ir para o comício porque sente um certo “mal-estar” com aquilo tudo. Mas ela, bonita, gostosa, loira, jovem e apaixonada (não se iluda, um par de pernas e uma boca vermelha são mais fortes do que qualquer “visão política de mundo”), diz: “meu amor, tanta gente junta querendo o bem não pode ser tão mal assim”.
É, meu caro amante do bem, esta frase é uma das melhores definições do processo, às vezes invisível, que leva uma pessoa a ser totalitária sem saber: “quero apenas o bem de todos”. Aí está a característica do totalitarismo que sempre nos escapa, porque ficamos presos nas caricaturas dos skinheads: aquelas pessoas, sim, se emocionavam e choravam diante de tanta boa vontade, diante de tanta emoção coletiva e determinação para o bem.
Esquecemos que naqueles comícios, as pessoas estavam ali “para o bem”.
Se você tem absoluta certeza que “você é do bem”, cuidado, um dia você pode chorar num comício achando que aquilo tudo é lindo e em nome de um futuro melhor.
E se essa certeza vier acompanhada de alguma “verdade cientifica” (como foi comum nos totalitarismos históricos) associada a educadores que querem “fazer seres humanos melhores” (como foi comum nos totalitarismos históricos) e, finalmente, se tiver a ambição política, aí, então, já era.
Toda vez que alguém quiser fazer um ser humano melhor, associando ciência (o ideal da verdade), educação (o ideal de homem) e política (o ideal de mundo), estamos diante da essência do totalitarismo.
O que move uma personalidade totalitária é a certeza de que ela está fazendo o “bem para todos”, não é a vontade de destruir grupos diferentes do dela. Primeiro vem a certeza de si mesmo como agente do “bem total”, depois você vira autoritário em nome desse bem total.
O melhor antídoto para a tentação do totalitarismo não é a certeza de um “outro bem”, mas a dúvida acerca do que é o bem, aquilo que desde Aristóteles chamamos de prudência, a maior de todas as virtudes políticas.
Não confio em ninguém que queira criar um homem melhor.