sexta-feira, 8 de julho de 2011

Cópia Fiel



Copie Conforme
Cópia Fiel
Abbas Kiorastami
2010

Qual o verdadeiro valor da cópia de uma obra arte? Seria o copista, o fraudador, tão genial quanto o autor original?Qual a diferença entre a cópia e o original? E na vida?
Cópia Fiel, do iraniano Kiorastami é uma obra de arte para se apreciar a vida.
As primeiras cenas me fizeram relembrar de "Antes do Pôr-do-Sol", de Linklater, onde a câmera percorre as ruas e os personagens de frente, sempre em movimento, andando e conversando, e agindo e gesticulando e discutindo.
Os personagens: um escritor inglês e uma dona de galeria de arte francesa que vive na Itália. O cenário não poderia ser mais belo: a Toscana.Tudo se passa em uma única tarde de passeio e diálogo entre estes dois personagens, que deixam as ruas vazias da cidade para ir a um lugarejo mágico - Lucignano - habitado por noivos e noivas fazendo juras eternas de amor.  A vida a dois se expõe e salta aos olhos.
E neste momento algo se rompe. Os personagens se confundem, nos confundem, passam a conversar ao mesmo tempo em inglês, frânces e italiano. Já não se sabe mais o que é real e o que é falso. A ficção se funde à realidade e a cópia ao original.
É um filme que merece uma segunda chance aos primeiro olhares.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Inverno da Alma

Inverno da Alma
Winter's Bone
Debra Granik
2010

História mais do que trágica (no senso comum da palavra), embalada por belas e tristes canções countries, Inverno da Alma é um filme noir. Country-noir.
A história se desenrola no interior do Missouri, EUA. A vida é rodeada pela pobreza, escassez e gelo. De gelar os ossos da alma.
Ree, uma adolescente de 17 anos se vê responsável pela criação de dois irmãos mais novos e pelos cuidados com a mãe incapacitada pela dureza da realidade. O pai, um traficante local de speed, sumiu depois de colocar a casa da familia como pagamento de fiança. O trabalho de Ree agora é achar o pai para não perder a única coisa que ainda a mantém presa à realidade familiar.
A trama se desenvolve através de personagens carrancudos e tristes, embrutecidos pelo cotidiano local. Uma das poucas cenas de alento é a de abertura, onde as crianças brincam embaladas por uma voz em off feminina, que canta sem acompanhamento instrumental (de gelar as entranhas) e mais adiante, na metade do filme, quando Ree presencia uma festa onde a mesma voz feminina, agora encarnada numa senhora rechonchuda, canta acompanhada pelos clássicos instrumentos do sul dos EUA, entre eles o banjo.
O final é surpreendente e dramático. Hibernação da alma.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O sol sobre o Pântano - Pondé

CÁ ESTOU mais uma vez em meio ao vazio. Lá embaixo, o Atlântico mergulhado na majestade do silêncio. Estou num Jumbo que rasga o céu a mil quilômetros por hora e a 35 mil pés de altitude.
  Minha relação com aviões tem a tara de tudo que é infantil. Meu pai, que quando nasci era capitão médico da Aeronáutica, me levava pra voar ainda muito pequeno nos aviões da FAB.
  Aqui, você se sente ao mesmo tempo o criador do avião (na medida em que se trata de uma invenção humana), e também sua vítima indefesa. Majestade máxima do homem técnico, majestade máxima de sua fragilidade. Os olhos do nada acompanham de perto o avião no seu deboche da lei de Newton. Uma maravilha que carrega a majestade da morte em sua elegância.
  No escuro, com a pequena luz que me cabe neste silêncio, leio Georges Bernanos. Se você é uma alma como eu (que pressente o pecado como sua substância), e nunca leu Bernanos, leia.
  Aliás, antes que um desses inteligentinhos pense "oh, como este colunista é dominado pela moral católica retrógrada da culpa" ou "pela ideologia burguesa da vergonha", não perca seu tempo, desista de me salvar. Sua "salvação" é comparável às emoções de uma bela adormecida.
  Sinta-se liberto do inferno onde vivo. Dois minutos na sua companhia, eu dormiria de tédio. O "bem" na sua face "social" é um tédio como o gosto de uma alface. A beleza do Bem começa no seu respeito pelo Mal e no destino único que os une: os tormentos da liberdade. Um com o perfume da esperança, o outro com o hálito do vazio. O pecado é no fundo uma paixão pela aniquilação de si mesmo, ainda que se disfarce de desejo de "gozar a vida".
  Esses "bons moços" de hoje em dia nada entendem do ser humano, e por isso tiram de nós nossa única dignidade: a luta interior contra nós mesmos.
  Sou um medieval, graças a Deus. Não acredito no homem, e muito menos em mim mesmo.
  Mas lembre-se, inteligentinho: sou um niilista, não veja em mim um velho seminarista assustado (que não sou). Entre você e eu, é você que teme o Mal, eu sei que sou feito de sua substância mais íntima. E você, no fundo, se acha "do bem", e aí reside sua mais pura miséria.
  Meu Deus, como sou fraco!
  A habilidade de pensar em mim não é uma virtude intelectual, mas um vício de temperamento que pode parecer uma ética do "amor ao conhecimento", mas que na verdade não passa de um gosto maníaco por ver como o pensamento disseca a realidade a serviço do nada.
  O ceticismo em mim é um produto do cérebro réptil, automático, como a respiração.
  Tomo emprestado a imagem, muitas vezes usada pra descrever a obra do grande Nelson Rodrigues, como título dessa coluna: "um sol sobre o pântano", sendo o pântano nossa alma, e o sol (muitas vezes demoníaco), o gosto de olhá-la nua.
> O pecado, por sua vez, me parece ainda a melhor ferramenta pra nos conhecermos.
> Voltando a Bernanos, em seu maravilhoso "Sob o Sol de Satã", editado no Brasil pela É Realizações, o autor, num dos seus grandes momentos, descreve quatro pecados essenciais e "seus efeitos", por assim dizer (traduzo livremente da edição francesa da Plon de 1968):
  "O avaro corroído pelo seu câncer, o luxurioso como um cadáver, o ambicioso tomado por um único sonho, o invejoso que está sempre em vigília". A avareza é um câncer que se manifesta não só no "amor" ao dinheiro, mas que também se trai na gula pelo corpo, pela saúde, pela vida, pela felicidade. Um câncer que destrói a alma cujo corpo a avareza visa "preservar".
  A luxúria que, em sua obsessão pelo gozo sexual, muitos hoje em dia idiotamente assumem como uma forma de redenção, transforma-nos num objeto mudo. Quem apenas "faz" sexo sabe o quanto o corpo "gostoso" pode ser feio.
  A ambição em sua cegueira pelo sucesso que faz da felicidade uma obsessão. E a inveja em sua tensão doentia da vontade, que deseja tudo que os outros têm, destruindo o valor de tudo que temos, fazendo de nós uma espécie de zumbi sem fim.
  Enfim, o nada lá fora, o nada aqui dentro. Ao meu redor, todos dormem, mas eu estou de vigília. A turbina ao meu lado.

domingo, 3 de julho de 2011

Gainsbourg - Vie héroïque

Tive acesso a este filme em São Paulo há alguns meses e só agora a Bravo! criticou.
Um longa sensacional sobre a vida e obra de Serge Gainsbourg, um dos maiores artistas do século XX.
Destaque para a parte onírica do filme, que conta com dois personagens-bonecos alteregos de Gainsbourg e para os momentos de criação dos clássicos como Je T'aime moi non plus e minha interpretação favorita de La Javanaise.

http://youtu.be/QWlo66nw8Bk

O título original ,Gainsbourg, Vida Heroica, chega aqui com a parca tradação de Gainsbourg - O homem que amava as mulheres.  
Vale pela atuação do protagonista, incorporado por Gainsbourg e , claro, pelas músicas.