segunda-feira, 14 de novembro de 2011

ONTOLOGIA LEVIANA DOS SEIOS - Pondé

Hoje acordei um tanto leviano. Em dias assim, falo a sério de filosofia. O niilista respira identificando em toda parte a morte da metafísica. Pra quem não sabe, a metafísica é a "ciência" segundo a qual existiria um mundo de formas eternas e plenas, invisível aos olhos, mas visível ao "espírito".

Engraçado como muita gente combate a artificialização da beleza do corpo em nome de uma beleza "natural". O que essa gente não entende é que se a metafísica morreu, a existência de uma natureza "natural" também morreu, porque tudo neste mundo da matéria é impermanente, vago, impreciso, e, acima de tudo, dolorido.

Com a morte de Deus (símbolo máximo da morte da metafísica), o corpo velho é apenas um corpo feio e decadente. Se Deus não existe, toda beleza artificial é permitida. Logo, viva o silicone.

Mas não quero falar de Deus, quero falar de seios.

A vida pode ser miserável e pequena. Triste constatação. Mas miserável pode ser apenas a constatação de que anatomia é destino, como dizia Freud. O corpo, essa massa mortal que perde a forma com o tempo, é nosso lar, uma casa em que habitamos e que nos abandona, deixando-nos a herança do pó.

"A Pele em que Habito", título do novo e maravilhoso filme de Almodóvar, define nosso destino. Mas não vou falar do filme, pois é aquele tipo de filme de que quanto menos se fala, melhor, porque quando se fala dele, corre-se o risco de falar demais.

O freudiano, agostiniano e dostoievskiano Nelson Rodrigues, o maior filósofo brasileiro, escreveu um livro chamado "Asfalto Selvagem, Engraçadinha, Seus Pecados e Seus Amores", no qual a heroína Engraçadinha, segundo ele, seria infeliz porque tinha seios belos demais.

O mundo não perdoa a (a falta de) beleza, seja ela visível ou invisível. Por um seio bonito, mata-se e morre-se. No mínimo paga-se caro.

Acho que o SUS deveria pagar cirurgias plásticas para mulheres pobres colocarem silicone nos seios. Por que não? Travestis gozam de cirurgias de mudança de sexo, por que nossas mulheres não deveriam ter o direito de ficarem mais belas?

Ontologia é a disciplina da filosofia que estuda as essências das coisas e dos seres vivos. A ontologia diz o que você é. A ontologia da mulher passa pelos seios, pelas pernas e pela doçura, assim como a do homem pela potência e pelo dinheiro. O resto é mentira.

Tanta tinta corre no mundo em nome da política e da economia, e, ainda assim, os seios podem decidir a vida e o amor verdadeiro. Diante deles, a alma desfalece em desejo. Como disseram filósofos no passado, se o nariz de Cleópatra fosse diferente, a história do Ocidente teria sido outra.

Fala-se muito que devemos dar valor à alma, ao que se tem "dentro de si", ao que se "é", e não ao que se "tem", mas, o dia a dia, aquele mesmo em que acordamos atordoados pela constante constatação de nossas carências e impotências, parece dizer o contrário. O futuro pode sim ser julgado pela beleza dos seios.

Isso pode ser um indicativo da solidão do mundo no qual só a matéria existe. O niilismo, assim como o Demônio, o maior de todos os humanistas, respeita a angústia das feias.

Este fato, como todo fato obscenamente verdadeiro, pede silêncio de nossa parte. Mas eu, que peco constantemente em nome do vício, confesso: as pessoas quase sempre fazem tudo pelo que podem ter e não pelo que podem ser. E, muitas vezes, o "ser" é decorrente do "ter". E não falo de grana, falo de seios.

Fosse Platão um admirador do sexo frágil, abriria seu diálogo "O Banquete" (sobre o amor) pela ontologia dos seios da mulher.

Sendo assim, a indústria da beleza deveria receber maior atenção da filosofia e não apenas suas pedras de desprezo.

Colocar silicone pode ser um pedido discreto de amor. Uma forma tímida de buscar o olhar negado. Com o tempo, a forma dos seios abandona o mundo, ficando presa no mundo miserável do passado. Não se pode pegar com a mão ou com a boca a lembrança dos seios perdidos, apenas a forma dos seios reconstituídos.

A beleza artificial é uma batalha discreta contra o vazio do corpo e da alma.