terça-feira, 17 de setembro de 2013

Mais baratinhas tontas - J.P. Coutinho

1.

Há pessoas que duvidam do aquecimento global. E há pessoas que duvidam do aquecimento global antropogênico. Não é a mesma coisa.

As primeiras desconhecem, em suma, a história da humanidade. Entre os séculos 11 e 13, o planeta aqueceu bastante. Nos séculos 17 e 18, parece que arrefeceu bastante. Isso para ficarmos em períodos anteriores à Revolução Industrial.

Que a humanidade aquece (e arrefece) por longos períodos de tempo, eis um fato que dispensa grande polêmica científica.

Coisa diferente é saber se a humanidade aquece porque os homens aquecem o planeta. Atenção aos termos: eu não disse que os homens não aquecem o planeta. Apenas questiono se o planeta aquece dramaticamente porque os homens o aquecem dramaticamente com a emissão de CO2.

A partir do ano 1000, as temperaturas na Europa não seriam muito diferentes das atuais. Será preciso lembrar que o homem medieval só emitia gases para a atmosfera depois de certas comidas condimentadas?

Pois bem: parece que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas começa a ter dúvidas sobre as suas próprias certezas. Já tinha escrito na edição on-line da Folha a respeito. O "Sunday Telegraph" volta agora ao assunto e eu volto também.

Para começar, parece que desde 1951 o mundo aqueceu 0,12ºC por década, e não 0,13ºC. Coisa pouca? Admito. Mas para quem gosta de fazer previsões com o rigor da ciência, números são números.

Mas há mais: a julgar pelo relatório preliminar do Painel, os cientistas não concederam a importância devida às variações climatéricas naturais, que muitas vezes são mais determinantes do que as emissões de CO2 propriamente ditas.

O período medieval referido é apenas um exemplo. E a estagnação das temperaturas desde 1997 é outro: parece que os termômetros não dão sinais de vida há 15 anos e o gelo antártico, que se considerava em desaparecimento, atingiu em 2013 quantidades alarmantes.

Claro que nada disso parece perturbar, por enquanto, o dogma central do Painel da ONU: com "95% de certeza" (sic), o relatório continua a defender que o aquecimento global é culpa do homem.

Já é um progresso: 95% sempre permite que céticos como eu se agarrem aos restantes 5%. E não será de excluir que esses 5% tenham o mesmo destino que o gelo em vias de extinção na Antártida.

2.

Leitores vários não gostaram do meu texto ("Baratinha tonta") na semana passada. Barack Obama, uma barata tonta no caso da Síria?

Longe disso, escreveram-me alguns deles. Depois de estabelecer "linhas vermelhas" que o regime sírio não poderia cruzar, Obama conseguiu finalmente que Bashar al-Assad entregue uma lista com todo o seu arsenal químico para posterior destruição até o meio do ano que vem. Obama ganhou essa jogada.

Com a devida vênia ao auditório, discordo. Obama pode ter encontrado no acordo russo-americano uma boia de salvação para terminar o segundo mandato com um mínimo de dignidade. Mas quem saiu a ganhar não foi Obama. Foi Bashar al-Assad e, claro, Vladimir Putin.

Sobre Putin, a carta do próprio publicada no "The New York Times" será um dia estudada como peça notável de hipocrisia política.

Depois de declarar que Moscou não apoia Damasco (o envio de material militar tem sido apenas por razões humanitárias, presume-se), Putin veste o traje de grande democrata para lembrar ao mundo a importância dos direitos humanos e da lei internacional (que ele, escusado será dizer, respeita na Rússia como grande democrata que é).

Sobre Assad, nem vale a pena comentar a fantasia: acreditar que o regime vai entregar uma lista com todo o seu arsenal químico é coisa de otários, não de gente adulta e racional.

Como é coisa de otários acreditar que os inspetores externos terão livre acesso a qualquer instalação militar (no meio de uma guerra civil), ainda para mais quando se sabe, via "The Wall Street Journal", que o exército sírio tem sido veloz na dispersão do material por mais de 50 locais diferentes.

O que vem aí é mais do mesmo: uma farsa, na melhor tradição iraniana, em que os inspetores não inspecionam nada e o regime colabora o suficiente para ganhar tempo e poder continuar as suas matanças "convencionais".

Viva Obama! Tudo está bem quando acaba mal.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A ética das baratas - Pondé

As pessoas têm crenças desde a pré-história. Nossa constituição frágil é uma das razões para tal. Hoje, cercados de luxo e levados a condição de mimados que somos, até esquecemos que há anos atrás mais da metade de nossas mulheres morriam de parto. Elas viviam por conta de ficarem grávidas e pronto. Hoje existe essa coisa de "escolha", profissão, filhos depois da pós, direitos iguais, ar-condicionado, reposição hormonal, bolsa Prada.

Esquecemos que direitos e escolhas são produtos mais caros do que bolsa Prada. Pensamos que brotam em árvores.

Mas existem crenças mais frágeis do que outras, algumas que beiram o ridículo. E algumas delas até recebem bênçãos de filósofos chiques.

Em 1975, o filósofo utilitarista australiano Peter Singer publicou um livro chamado "Animal Liberation", que deixou o mundo de boca aberta.

Para Singer, "bicho é gente" (porque também sente dor). A partir daí, ele encampou toda uma gama de militantes que gostaria de tornar a alimentação carnívora um crime como o canibalismo.

Achar que se pode comer animais se basearia no preconceito de que os animais seriam "seres inferiores", daí o conceito de "especismo" como análogo ao de "racismo", o conhecido preconceito contra certas raças que foram consideradas inferiores no passado.

Tudo bem a ideia de que devemos tratar os animais com respeito e carinho e sem maus-tratos (eu pessoalmente gosto mais dos meus cachorros do que de muitas pessoas que conheço, e um deles é mais inteligente do que muita gente por aí), mas esta discussão quando toca as praias dos fanáticos puristas (essa praga que antes era limitada a crente religioso, mas hoje também se caracteriza por ser um ingrediente do fanatismo sem Deus de nossa época) é de encher o saco. Se um dia eles forem maioria, o mundo acaba.

O mundo não sobreviveria a uma praga de pessoas que não usam sapatos de couro porque os considera fruto da opressão capitalista contra os bichinhos inocentes.

Ainda bem que esta "seita verde" tende a passar com a idade, e aqueles que ainda permanecem nessa depois de mais velhos ou são hippies velhos que fazem bijuteria vagabunda em praças vazias (tem coisa mais feia do que um hippie velho?) ou são pessoas com tantos problemas psicológicos que esta pequena mania adolescente até desaparece no meio do resto de seus sofrimentos com a vida real.

Recentemente ouvi uma história hilária: alguém contra matar baratas porque não se deve matar nenhuma forma de vida. Risadas? É bom da próxima vez que alguém te convidar para ir na casa dela você checar se ela defende os direitos das baratas.

Nem Kafka foi tão longe ao apontar o ridículo de um homem que, ao se ver transformado num enorme inseto marrom, se preocupou primeiro com o fato de que iria perder o bonde e por isso perder o emprego.

Eu tenho uma regra na vida: quando alguém é mais ridículo do que alguns personagens do Kafka, eu evito esta pessoa.

Às vezes me pergunto o que faz uma pessoa razoável cair num delírio como esse. Como assim "não se deve matar nenhuma forma de vida"?

A pergunta é: essa moçadinha seguidora de uma mistura de filosofia singeriana aguada e budismo light (com pitadas de delírio) já olhou para natureza a sua volta?

A natureza é a maior destruidora de vidas na face da Terra. Ela mata sem pena fracos, pobres e oprimidos. A natureza é a maior "opressora" da face da Terra. E mais: normalmente essa moçadinha é bem narcisista e muito pouco solidária com gente de carne e osso.

Se todo mundo defender o direito da baratas, um dia vamos acordar com baratas na boca, nos ouvidos, na xícara do café da manhã. A mesma coisa: se não comermos os bois e as vacas, eles vão fazer uma manifestação na Paulista pedindo direito a pastos de graça ("os sem-pastos") para garantir a sobrevivência de seus milhões de cidadãos bovinos.

Pergunto a esses adoradores de baratas: ele já pensou que as alfaces também sofrem? ela já pensou que quando come uma alface está interrompendo toda uma vida feliz de fotossíntese? Que as alfaces também choram? Malvados e insensíveis...