quarta-feira, 26 de março de 2014

"God Save the Queen" - J. P. Coutinho


1.
LI EM tempos que o sistema prisional inglês decidira mudar metade dos seus banheiros. Motivo? Mark Steyn, um dos melhores colunistas vivos, explica em "America Alone": os vasos sanitários estavam voltados para Meca. E a população prisional muçulmana não tolerava esse desrespeito.

Claro que uma forma barata de resolver o problema seria convidar os crentes a fazerem o serviço de lado. Mas a "religião da tolerância" —a única que sobrevive no Ocidente pós-cristão— decidiu mudar a mobília para não ofender o crente em posição jacente.

Pois bem: a "religião da tolerância" continua a fazer estragos. O "Sunday Telegraph" informa que a Law Society, a instituição que regula os solicitadores da Inglaterra e do País de Gales, aconselhou os profissionais a integrar aspectos da "sharia", a lei islâmica, nos testamentos para muçulmanos. O que significa isso?

Em termos práticos, significa que na Inglaterra e no País de Gales será possível que mulheres muçulmanas não tenham iguais direitos no momento das partilhas; que os não crentes sejam excluídos das mesmas; que crianças nascidas fora do casamento (ou até adotadas) não sejam consideradas como herdeiras legítimas —a lista de aberrações é longa e, pior que isso, permitirá a existência de dois sistemas legais no Reino Unido: um primeiro, baseado na lei britânica, e aplicado à população em geral; e um segundo, de inspiração islamita, apenas para muçulmanos.

E se os testamentos fizerem doutrina, não é de excluir que a "religião da tolerância" aplique o mesmo raciocínio a mulheres muçulmanas adúlteras, a homossexuais muçulmanos promíscuos ou a carteiristas muçulmanos imprudentes. Como? Apedrejando, enforcando ou amputando os infelizes de acordo com uma interpretação vigorosa da "sharia".

Faz sentido: quando se começa nos vasos sanitários, o mais certo é o resultado final ser merda.

2.
E por falar em Inglaterra: certo dia, almoçando no restaurante do hotel Savoy, vi entrar um personagem com ares de vagabundo e aura de estrela do rock que provocou histeria entre os presentes.

Olhei para a criatura, perguntei à minha senhora se ela conhecia o dito cujo, mas a ignorância era mútua. Só mais tarde, folheando uma revista, reencontrei o rosto e o nome: Russell Brand, ator e humorista. Como ator, confesso que não frequento matinês para a população débil. Como humorista, o guarda-roupa talvez fosse a sua melhor piada.

Agora, parece que o sr. Russell Brand se prepara para escrever um livro. O fato de Brand saber escrever já é uma ideia perturbante. Mas mais perturbante é saber que, no livro, o ator e humorista pretende solucionar todos os problemas do mundo —das alterações climáticas à desigualdade social— com suas proclamações esquerdistas e mentecaptas.

É precisamente contra este tipo de fenômenos que Rodrigo Constantino escreveu o seu "Esquerda Caviar" (Record, 434 págs.), que começa da melhor forma possível: com a conhecida frase de Nelson Rodrigues de que é mais fácil amar a humanidade do que aqueles que nos estão mais próximos.

No fundo, Constantino retoma a célebre acusação que Burke lançou a Rousseau nas suas "Reflexões sobre a Revolução na França": como levar a sério um homem que amava os Homens (em abstrato) e não hesitou em abandonar os seus próprios filhos na roda?

Infelizmente, é possível levar a sério essa turma porque a "aldeia midiática" em que vivemos promove essas hipocrisias éticas: atores e humoristas que almoçam no Savoy —mas depois gostam de exibir em público as suas "lindas intenções" contra o capitalismo que os alimenta. Exatamente como os tarados gostam de abrir a gabardina para exibir os órgãos genitais a crianças inocentes.

A única diferença é que as crianças normalmente horrorizam-se com o espectáculo. As crianças crescidas, pelo contrário, são as primeiras que correm para as livrarias, esperando encontrar no livro de um ator e humorista a chave para os problemas do mundo.

Seria bem melhor que esses exércitos de retardados comprassem a obra de Rodrigo Constantino. Porque a adolescência interminável é a pior forma de senilidade.

Putin contra o sexo dos anjos - Pondé


A comunidade europeia, essa reunião de países cheios de gente mimada, anda querendo discutir se é certo tratar uma criança quando é pequena de menino ou menina. O debate, é evidente, é coisa de gente riquinha que acaba levando a sério delírios da chamada teoria de gênero, essa invenção de professores desocupados com problemas de identidade sexual.

De fato, desse jeito, parece que a Europa ocidental acabou mesmo. As escolas europeias, se essa ideia idiota passar, vão virar um antro de "autoritarismo de gênero".

Nesse sentido, Putin talvez esteja fazendo um favor aos europeus, lembrando a eles que existe um mundo de preocupações reais, e não os debates idiotas sobre se meninos são meninos e meninas são meninas ou se tudo isso é uma invenção humana como o "croissant".

Nesse cenário, cabe bem o Obama, que, sendo um presidente pop das redes sociais, deve ter mandando um WhatsApp para o Putin protestando contra a anexação da Crimeia pelos russos, coisa que o russos têm todo o direito de fazer e que a maioria esmagadora da população da Crimeia deseja.

Imagino que Obama, cuja única competência é ser o primeiro presidente negro dos EUA (uma grande coisa, sem dúvida), deve ter posto na sua página do "Face" grandes bravatas dizendo que ia fazer isso e aquilo e colocar o Putin no seu lugar. Na verdade, quem colocou quem aqui no "seu lugar"? O Putin é que colocou a série toda de líderes ocidentais nos seus lugares, porque estes, viciados em discutir como a vida é uma "agência de direitos chiques", enquanto comem queijos e vinhos, se esqueceram de que a vida é o que acontece quando você está ocupado delirando com seus sonhos de Branca de Neve.

Putin é um choque de realidade na sociedade fútil em que se transformou a Europa ocidental, banhada em "direitos" que custam muito caro.

Voltando à discussão sobre o sexo das crianças. Chocante é como muitos psicólogos, contaminados pela ideia de que construímos sujeitos socialmente, se deixam levar por essa bobagem do tamanho de um bonde cheio de bobos. O fato de que existam gays e lésbicas, e que estes tenham, sim, direito de viver como todo mundo, não implica o direito de teóricos autoritários começarem a legislar sobre a sexualidade de um monte de crianças "avant la lettre".

Imagino que, se essa lei pegar, o número de crianças com problemas de identidade no futuro da Europa será enorme; mas tudo bem, porque o Estado de bem-estar social (esse personagem de um conto de fadas) vai garantir terapia para todo mundo. Levar um debate desses a sério beira as raias da pura e simples irresponsabilidade moral.

Voltando à Rússia. Desde, no mínimo, o século 19 (vemos isso, por exemplo, nos debates na imprensa russa, debates esses do qual fez parte gente de peso como Dostoiévski, Turguêniev e Tolstói), a Rússia se vê como uma nação que deve cuidar de si mesma para não se transformar no fantasma de si mesma que virou a Europa, bêbada com o que alguns filósofos e similares inventaram para combater o tédio.

Um amigo meu, discutindo esse projeto de lei estúpido, fez uma bela analogia. Sabemos que Francis Bacon, entre outros (o louquinho do Giordano Bruno também fez essa crítica, mas a usou para seus delírios metafísicos inócuos), criticou duramente o que se convencionou chamar em história da filosofia de "baixa escolástica".

A escolástica foi um tipo de prática filosófica muito comum na Idade Média, que buscava racionalizar todo o conhecimento a partir de enunciados lógicos sistemáticos que supostamente esgotariam a totalidade da realidade, inclusive a metafísica. Grandes figuras desse período, como Tomás de Aquino, foram escolásticos.

A "baixa escolástica" é a marca da decadência da escolástica, que por sua vez representou a decadência da Europa medieval e metafísica pré-científica e burguesa.

Os escolásticos decadentes, para Bacon, discutiam coisas como "quando um homem puxa um burro, é ele quem puxa ou a corda?". Ou: "Teriam os anjos sexo?".

Estamos quase lá: os europeus se preparam para discutir se as crianças têm sexo. A Europa precisa muito de Putin.