quarta-feira, 18 de julho de 2012

Mutilações - J.P. Coutinho

1. Temas JUDAICOS são sempre sucesso de bilheteria. Quatro dias atrás estive na TV portuguesa para falar de circuncisão. Não sou especialista no procedimento e, da última vez que confirmei, o meu prepúcio estava intacto.
Mas nada disso impediu as dezenas de insultos que recebi por e-mail. Curioso: na Europa do século 21, "judeu" (melhor: "judeuzinho") continua a ser forma de agressão. Mesmo que você não seja.
Como Tayllerand disse dos Bourbon, a Europa não aprendeu nada e não esqueceu nada. Nem a Europa, nem a Alemanha: o meu comentário televisivo analisava a decisão recente de um tribunal alemão que condenou a circuncisão.
Atenção à diferença: o tribunal de Colônia não condenou, como deveria, um caso de negligência médica que provocou hemorragias graves numa criança judia de 4 anos.
O tribunal foi mais longe e condenou a prática "in toto": a circuncisão é um atentado contra a integridade das crianças em nome das concepções religiosas dos seus pais.
Não vou reproduzir nesta Folha, um jornal de família, o conteúdo de algumas mensagens que recebi. Mas as mais moderadas batiam no mesmo ponto: se eu já condenei publicamente a mutilação genital feminina nos países muçulmanos, como posso tolerar a circuncisão?
A ignorância não é apenas atrevida. É também ridícula. Comparar a circuncisão à mutilação genital feminina é, resumindo, não entender nada sobre uma e outra.
A circuncisão, realizada por mãos habilitadas, é um procedimento seguro, rotineiro e, segundo vários estudos científicos, pode mesmo ser vantajoso na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
A mutilação genital feminina é apenas isto: uma mutilação movida pelo ódio masculino ao prazer sexual da mulher. No espírito e no método, a circuncisão e a mutilação não habitam o mesmo planeta.
E agora? Agora, calma: a decisão de um tribunal não cria legislação sobre o assunto. Mas as comunidades judaicas (e também muçulmanas) do país temem que a decisão seja um perigoso precedente, transformando a liberdade religiosa numa caricatura.
Porque este é o ponto -para judeus, muçulmanos, mas também cristãos, agnósticos ou ateus: devem as famílias ter liberdade para educarem os seus filhos como entenderem? Ou é função do Estado impor à sociedade os preconceitos de um político ou de um juiz?
Como leitor de John Locke (1632 - 1704), eu julgava que a questão já estava resolvida havia quatro séculos: depois de guerras religiosas intratáveis, a Europa aprendeu que a tolerância era a única forma de evitar a carnificina. A Alemanha, como sempre, parece disposta a rever esses ensinamentos.
2. E por falar em mutilações: o leitor sabe o que aconteceu no Mali? Eu conto: fanáticos islamitas tomaram de assalto a cidade de Timbuktu. E destruíram, com impressionante ferocidade, dezenas de mausoléus e centenas de estátuas ligados à tradição sufista.
A mídia ocidental está horrorizada com a falta de etiqueta do pessoal da Al Qaeda e lembra que Timbuktu é um patrimônio cultural da humanidade.
Não é, não: para a Al Qaeda, falamos de idolatria. E a idolatria só tem uma resposta: a bomba.
Aliás, o caso do Mali não é único. Dentro do fanatismo islâmico, o mundo ainda recorda a destruição dos budas milenares de Bamyian, no Afeganistão, pelo Taleban.
Mas não é preciso viajar para tão longe de forma a contemplar o fanatismo em ação. No Ocidente, também temos os nossos fanáticos: gente alegadamente "culta" e "civilizada" que gosta de apagar ou destruir tudo aquilo que considera ofensivo para a religião do nosso tempo: a religião politicamente correta.
Todos os dias, alguém sugere a proibição de um autor (o americano Mark Twain, racista); a proibição pura e simples de uma obra ("A Divina Comédia", homofóbica); e a criminalização de termos alegadamente ofensivos para minorias ou populações indígenas.
Claro que, para sermos justos, os nossos fanáticos politicamente corretos não viajam de camelo nem usam trapos medievais da cabeça aos pés.
Mas se fosse possível um mapa mental das suas cabeças, aposto que não haveria grandes diferenças em relação aos selvagens do Mali.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O infiel - Pondé

Confesso: sou um infiel. Não no sentido de infidelidade amorosa, mas religiosa. Não creio no aquecimento global por causas antropogênicas (trocando em miúdos, não acho que nossos carros estejam aquecendo o planeta, e se o Sol fosse um Deus como uns pirados achavam que ele era, estaria rindo de nós e nossos ridículos celulares).

Freud estava certíssimo quando dizia que a maturidade é para poucos e viver uma infância retardada é um modo "seguro" de não enfrentar a vida adulta, que é sofrida, incerta, injusta e inviável.
Ricardo Cammarota




Isso mesmo, repito para que meu pecado conste nos autos: não creio que o aquecimento global seja causado por emissão de gás carbônico, acho (inclusive tem cientista que afirma isso, os ecocéticos) que o recente aquecimento começou antes dos últimos cem anos, nos quais nosso gás carbônico cresceu, e ciclos de esquentamento e esfriamento sempre ocorreram.

Inclusive aquele aquecimento que se deu entre 50 mil e 20 mil anos atrás (muito conhecido por quem estuda religiões pré-históricas como eu), foi bem benéfico para nossos ancestrais, assim como também o foi o da Idade Média.

Não há consenso acerca das causas antropogênicas do aquecimento global, há sim consenso (todo mundo que estuda religião sabe disso) ao redor do fato que apocalipse sempre deu dinheiro. Gastava-se dinheiro com indulgências na Baixa Idade Média, por que não seria o medo do fim do mundo ainda hoje uma mina de dinheiro?

O mercado do apocalipse verde tem seus sábios-profetas-cientistas, mágicos, gurus espirituais, nutricionistas-sacerdotes de alimentação sagrada, mercado de cristais sustentáveis, enfim, tudo que há nos fanatismos humanos.

Ninguém saiu às ruas (muito menos nus) pela mecânica newtoniana, pela relatividade de Einstein, pelo empirismo de Bacon ou pelo evolucionismo darwiniano. Aliás, que mania mais "teenager" essa de tirar a roupa toda hora. Já estão barateando os seios.

As pessoas saem às ruas porque o verdismo é uma espiritualidade fanática como qualquer outra, regada a comunismo requentado: o verdismo é uma melancia, verde por fora, vermelho por dentro. A certeza daqueles que não comem carne acerca do pecado dos que comem é mais forte do que a condenação do orgasmo feminino pelas autoridades eclesiásticas mais idiotas que caminharam pela Europa nas Idades Média e Moderna.

Acho que a ciência do aquecimento global que afirma categoricamente que somos nós que aquecemos o planeta está mais para astrologia (sem querer ofender a astrologia) do que para astrofísica. Estamos perdendo um tempo danado deixando que as tribos dos sem-roupa fique atrapalhando um cuidado mais técnico acerca do futuro do planeta.

Isso não quer dizer que não exista um problema de sustentabilidade no mundo, apenas que os fanáticos verdes nem sempre ajudam a enfrentá-lo.

A "verdade científica" em jogo é o que menos importa, mesmo porque nenhuma controvérsia científica ao redor do tema pode ser vista como algo diferente de heresia. Discordar não é ser visto como alguém que debate teorias científicas, como deve ser o convívio saudável em qualquer ciência, mas sim como recusa de adesão a uma forma de verdade superior e pura.

As bobagens do tipo "teoria gaia" ofuscam os corações e mentes, como todo fanatismo sempre o fez, e impede muitas vezes de ver que a natureza em sua beleza é muitas vezes mais Medeia do que Gaia.

Em 1755, quando o grande terremoto destruiu Lisboa, a comunidade intelectual europeia se esforçou para eliminar das causas a "vontade de Deus". Hoje, supostos cientistas reintroduzem a forma mais vagabunda de metafísica na ciência, a da "deusa natureza".

Os coitados do Kant e do Newton nunca imaginaram que um dia iríamos retroceder às trevas assim. Andamos sim em círculos.

A pergunta que não quer calar é: se está certo quem diz que quando se quer saber a verdade sobre a sociedade deve-se seguir o dinheiro, cabe a nós identificarmos quem está ganhando rios de dinheiro com esse fanatismo que já se constituiu em mais um fator a dificultar sairmos do buraco econômico em que estamos.