sábado, 30 de julho de 2011

Katyn

Katyn
2007
Andrzej Wajda

Excelente filme sobre o massacre de oficiais poloneses, cometido no início da Segunda Guerra Mundial, pelos soviéticos.
A cena inicial é uma das passagens mais marcantes de todo o filme: uma ponte. Em cada uma das extremidades, famílias inteiras correm com malas, crianças e tudo o que conseguem carregar. Ao se encontrarem no meio da ponte, cada pequena multidão tenta advertir o outro bando: de um lado, fugitivos dos nazistas alemães; do outro, dos comunistas soviéticos. E eis o dilema popular: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
O enredo do filme foca na mentira comunista de tentar divulgar os sumários assassinatos dos oficias poloneses como sendo uma obra dos nazistas, que por sua vez, culpam os soviéticos. Nesse jogo de empurra, sobra apenas a multidão de corpos nas valas comuns da floresta de Katyn.
Mais verdadeiro do que este, apenas o documentário "A História Soviética", que mostra fotos e cenas reais do massacre dos ucranianos por Stálin.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Entrevista

 Entrevista divertidíssima com Pondé.
Dá-lhe humor negro!


O filósofo e ensaísta pernambucano Luiz Felipe Pondé mostra, em uma bem humorada entrevista para a nossa blogueira Tati Bernardi, porque é considerado um dos mais polêmicos colunistas brasileiros da atualidade. Pondé escreve semanalmente para a Folha de S. Paulo.

O QUE VOCÊ DIRIA PRA QUEM TE ACHA PRECONCEITUOSO E ELITISTA?
Eu diria que não tô nem aí pra quem acha isso. O debate intelectual deveria ser elevado, para muito além do “não pode ter preconceito, é feio”. Todo mundo tem e não discutir isso é muito limitador e estúpido. Ninguém debate de fato as angústias e as questões com medo de não ser bonzinho. O mundo virou uma grande empresa com a equipe de recursos humanos trabalhando o tempo todo para nos motivar e melhorar. Isso até se entende dentro de uma empresa, mas na vida é ridículo. Eu sou preconceituoso e você também é, está no nosso DNA.
COMO É O AEROPORTO DOS SONHOS PRA VOCÊ?
Mais vazio, sem aquele “frisson” das pessoas querendo mostrar que são felizes, sem aquele povo brega batendo foto dentro do avião, fazendo pose com aquela comida horrorosa. Muita gente tem medo de voar e essa tensão somada a uma atmosfera de atrasos e lotações, é um horror.
Sou a favor de ter todo tipo de gente dentro do aeroporto. O capitalismo tem mesmo que crescer e dar direito igual a todos que batalharam por um lugar ao sol. Mas me dou ao direito, como ser pensante, intelectual e jornalista, de achar que o aeroporto virou um horror. Me dou ao direito de não querer fazer parte disso, estar junto dessas pessoas.
Essa opinião me fez receber vários e-mails de gente que me detesta. Uma coluna de domingo da ombudsman da Folha, cujo tema foram os colunista, era sobre meu bode de aeroportos. Mas o secretário de redação respondeu encerrando o assunto: quem gosta de zona de conforto não lê o Pondé.
Não sou contra o cara brega, barulhento e mal educado estar no avião, eu só sou a favor do meu direito de não estar lá aturando isso. Simples assim. E te garanto que muitos intelectuais defensores do povo, bonzinhos, pensam como eu mas não pega bem falar.
Você lembra da pizzaria Grupo Sérgio? É o tipo de lugar que não me incomoda que exista, mas eu jamais iria lá. Ou pior ainda: eu jamais iria pra dizer que é legal, que é bonito, conviver com todo mundo. Existe confronto entre classes sim. Isso é óbvio!
VOCÊ NÃO GOSTA DE POBRE?
Não é nada disso. Entenda: eu não tenho nada contra ninguém, eu só tenho bode de quem frequenta lugar barulhento e brega pra dizer que é bonzinho e não tem preconceitos. Quem gosta de pobreza é intelectual. Pobre gosta é de deixar de ser pobre! Eu sou menos preconceituoso e escroto do que quem diz que não é. Fingir que não tem preconceito é ser idiota.
Já fui abordado por mais de uma pessoa simples que me disse “te admiro muito, não é porque sou proletário que eu não gosto e não entendo o que você fala”.
O puritanismo cristão e os babacas intelectuais com seus pensamentos corretos, todo mundo tão cheio de boas intenções, o sexo sustentável com seus preservativos biodegradáveis, a picanha que atrapalha a iluminação do ser na hora de fazer uma aula de yoga, isso tudo só vai deixando todo mundo mais angustiado e limita o discurso a respeito do ser humano. Quem aguenta tanta bondade?
VOCÊ GOSTA DE APARECER? VOCÊ SE ACHA UMA CELEBRIDADE?
Ser reconhecido na rua, ter foto na mídia…não! Mas ter o meu pensamento reconhecido, sim. Não escrevo para ser polêmico, como muitas pessoas acham. É realmente o que eu penso e sempre sonhei em escrever para um jornal, dizer o que eu penso. Nunca quis ser apenas um intelectual dentro de universidades, sempre quis levar o que penso e estudei para as mídias. Claro que existe vaidade, gosto do reconhecimento, gosto de receber muitos e-mails. Minha mulher e minha filha ficam incomodadas quando mulheres me abordam nas ruas. Por isso não gosto muito da exposição física, prefiro a exposição das ideias. Acho ótimo, por exemplo, a Folha não colocar foto dos colunistas.
VOCÊ ACHA TODO MUNDO IDIOTA? VOCÊ SE ACHA SUPERIOR?
O ser humano é idiota e absolutamente igual. A profissão mais fácil que existe é adivinhar o futuro. Quando estou em alguma conferência, sempre brinco “sinto uma energia nessa sala de alguém com problema de baixa auto-estima”. Todo mundo tem baixa auto-estima. É impossível se amar, somos todos desgraçados. Somos mortais, invejosos, preguiçosos, preconceituosos, medrosos, infelizes, frustrados. Fracassamos, levamos foras, sofremos.
VOCE É DEPRIMIDO? TOMA ALGUM REMÉDIO?
Ninguém procura a infelicidade, mas mesmo assim ela sempre nos encontra. Eu nunca tive depressão e nunca tomei nenhum remédio. Mas não sou contra eles existirem, a vida pode ser tão difícil! Se existe algo que te ajuda a sair da cama, por que não? Eu não preciso disso porque só faço o que estou a fim e não tomaria nenhum remédio pra me ajudar a fazer o que não estou a fim.
COMO ENTRAR NUM AEROPORTO LOTADO, POR EXEMPLO?
Eu tenho a Síndrome do aeroporto. Eu chego lá e fico com tanto bode que eu dou meia volta e volto pra casa. Ligo avisando as pessoas que me esperam “olha, não rolou”. Eu me retiro do lugar antes que eu passe mal de tanta irritação.
QUEM PENSA MUITO FAZ MENOS SEXO? COMO É SUA VIDA SEXUAL?
O ser humano é masoquista ao ponto de sempre achar que o mundo inteiro está trepando e gozando loucamente enquanto ele está trabalhando, solitário e infeliz. Isso é uma fantasia…mas é verdade que antigamente as pessoas transavam mais e melhor. Tinha menos coisa pra fazer e mais tempo livre pra ficar de sacanagem.
Ah, e esse papinho de “liberdade sexual” que chegou com a pílula foi só para a classe média porque os pobres já transavam loucamente desde sempre.
PONDÉ, VOCÊ ESTÁ FILOSOFANDO, MAS NÃO ESTÁ RESPONDENDO…SUA VIDA SEXUAL É OU NÃO…
É o quê? Plena? O que é vida sexual plena? Mais uma invenção chata do homem feliz? Sexo gostoso tem a ver com culpa, proibição, isso dá muito mais prazer que fazer amor num gramado florido. A imagem do cara que transa muito e com todas, vendida como o cara saudável, o macho alpha, é falsa. Transar demais e com muitas mulheres banaliza o momento do gozo. E é mentira que o homem só pense nisso, talvez um garoto de 15 anos, mas um homem tem outras coisas pra fazer.
VOCÊ TEM PRECONCEITO COM HOMENS BEM SUCEDIDOS TAMBÉM?
Muitos deles acham que são “o tal” por causa da grana, do carro, do apartamento, da viagem pra Paris. Mas uma pessoa que você conquista com dinheiro é a pessoa mais barata que existe. O amor é caríssimo, por isso tantas mulheres com sede.
O verdadeiro homem alfa é o que sabe que, para encantar verdadeiramente um mulher que valha a pena, não basta levar pra Paris, é preciso também não ser um idiota com um papo chatérrimo.
Mulher gosta de intelecto, diferente do homem que não se seduz por isso.
VOCÊ ACREDITA EM ALGUMA COISA?
Que não dá pra ser outra pessoa além dessa desgraça que você é. Não se ilumina, não se faz sexo pleno, não se para de sentir inveja, medo e de se odiar. E eu acho elegante acreditar em Deus também, e sempre falo para os meus alunos lerem a Bíblia. Não sou religioso e acho grande parte do discurso religioso uma fuga para não pirarmos ao pensar que estamos aqui sem nenhum sentido, mas ainda acho elegante acreditar em Deus e ler a Bíblia.
VOCÊ É A FAVOR DA FRANÇA PROIBIR O USO DA BURCA. É SÓ PRA SER POLÊMICO OU VOCÊ TEM PRECONCEITO COM MUÇULMANOS?
A burca é uma manifestação do fundamentalismo islâmico e não do islamismo. Não sou contra o véu, aliás acho que as mulheres ficam lindíssimas e super sexy com ele. Sou contra o fundamentalismo. Nenhuma mulher, pode perguntar, que é obrigada a usar a burca gosta de usar a burca. O mundo moderno é um lixo, mas ainda é melhor do que qualquer coisa que passe perto do fundamentalismo. A França veio com esse papo da “lei da visibilidade da pessoa” e isso constitucionalmente é impecável, mas não passa de uma brecha do ponto de vista técnico. Sim, o que eles têm é medo! Mas é do fundamentalismo islâmico e não do islamismo. O francês tem cada vez menos filhos enquanto os muçulmanos estão lá, enchendo a cidade de pessoas com costumes e crenças completamente diferentes das dos franceses. Óbvio que isso dá um pânico. E tem que dar mesmo. Ser a favor da burca é o mesmo que ser a favor das mulheres mutilarem o clitóris, é o mesmo que um país aceitar que suas mulheres mutilem seus clitóris.
O QUE VOCÊ ACHA DO BONO VOX?
Você perguntou anteriormente se eu recebo muitos e-mails de gente me xingando. Eu prefiro do que alguns elogios…uma vez um cara falou que eu era o “Bono Vox da filosofia”. Bono Vox é o cara mais chato e brega que existe. É de um mau caratismo profundo amar todo o mundo. É o mesmo discurso do Obama.
VOCÊ ACHA O OBAMA UM MAU CARÁTER?
Acho ele um cara ingênuo e um mau administrador. Ele quer ser gostado e isso nunca pode ser uma boa coisa.
UMA VEZ LI UMA ENTREVISTA SUA E ME PARECEU QUE VOCÊ DEFENDIA AS GUERRAS.
Não existe ser humano em paz e muito menos um país em paz. A Dinamarca é feliz? Mas vai ver o tamanho dela. Agora querer que a China, que o Brasil, que os EUA, que a Rússia vivam em paz, é estupidez. O ódio, assim como a guerra, não são coisas que eu defendo, apenas sei que eles existem e não os nego. As guerras são necessárias, são humanas e não adianta intelectual vir defender o contrário disso pra ter fãs e ser “do bem”.
RAPIDINHAS MALUCAS PRA QUEM TÁ COM BODE DE TANTA FILOSOFIA:
- o que você jogaria num padre?
Nada de especial, não tenho raivas especiais contra padres, já num vegetariano radical eu jogaria uma picanha mal passada…
- Uma palavra de fé para Bono Vox
Deixe de ser tão politicamente correto que enche o saco depois dos 15 anos de idade…
- Se eu estivesse te entrevistando de burca, você me mandaria ficar pelada?
Com certeza…
- Quem lê “Em Busca do Tempo Perdido” perde um tempo precioso em que poderia estar trepando loucamente?
Não. Às vezes, uma boa leitura pode ser melhor do que uma mulher ou um cara chato e carente que pega no seu pé…
- O único jeito de uma intelectual ter a bunda dura é fazendo agachamento segurando a coleção completa da Barsa?
Não, melhor as obras completas do Freud.
- O homem deu errado. Mas o que uma mulher deve fazer pra dar pra ele mesmo assim?
Ser doce, generosa e não encher o saco dele com demandas infinitas, não ser uma control freak…
- Tô pensando em me matar depois da nossa conversa, você iria ao meu velório? Já te aviso de antemão que só vai ter pobre.
Sem problema com os pobres, pior são os pobres de espírito e os novos ricos… mas não se mate ainda.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Aos 27

Trechos de um texto de Pondé sobre Amy Winehouse:

E Amy não faz ridiculo de boazinha, coisa rara na cultura dominada pela breguice. [...] Haja saco para roqueiros que cantam em nome de um mundo melhor.
A imagem de astros pop morrendo de overdose nos anos 60/70 fazia parte da ética contra o sistema. De lá para cá a caretice de se preocupar com o corpo tomou conta do mundo. E artista bonzinho é artista fraquinho.
Não é que se morrer de overdose voce é talentoso. Pode ser apenas mais um idiota da fila.
A virtude básica da tragédia é a coragem de viver sabendo-se amaldiçoado pela finitude e pela falha trágica, ou seja, a desmedida ( hybris, em grego antigo ). A desmedida é o passo que leva o herói a maldição, o exagero passional, a revolta diante do destino.
Estamos todos condenados a gargalhada da morte. A diferença é quem ri de volta para ela, dançando, ou quem chora de medo.
Por isso Nietzsche dizia que o que move a vida da maioria é o ressentimento diante da gargalhada da morte que nos humilha.
Aristóteles já dizia que o terror trágico (a desmedida, o desespero, a morte) que toma conta dos heróis nas tragédias gregas, nos contamina e nos enlouquece de paixão (pathos) por eles. Mas por que?
SIMPLESMENTE PORQUE ELES NÃO PARECEM TER MEDO COMO NÓS.

 Meu álbum preferido.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

LER OU NÃO LER, EIS A QUESTÃO - PONDÉ

Você gosta de Dostoiévski? Se a resposta for "não", o problema está em você, nunca nele. Uma coisa que qualquer pessoa culta deve saber é que Dostoiévski (e outros grandes como ele) nunca está errado, você sim.
Se você o leu e não gostou, minta. Procure ajuda profissional. Nunca diga algo como "Dostoiévski não está com nada" porque queima seu filme.
Costumo dizer isso para meus alunos de graduação. Eles riem. Aliás, um dos grandes momentos do meu dia é quando entro numa sala com uns 30 deles. Inquietos, barulhentos, desatentos, mas sempre prontos a ouvir alguém que tem prazer em estar com eles. Parte do pouco de otimismo que experimento na vida (coisa rara para um niilista... risadas) vem deles.
Devido a essa experiência, costumo rir de muito blá-blá-blá que falam por aí sobre "as novas gerações".
Um exemplo desse blá-blá-blá são os pais e professores dizerem coisas como: "Essa moçada não lê nada".
Na maioria dos casos, pais e professores também não leem nada e posam de cultos indignados. A indignação, depois da Revolução Francesa, é uma arma a mais na mão da hipocrisia de salão.
Mas há também aqueles que dizem que a moçada de hoje é "superavançada". Não vejo nenhuma grande mudança nessa moçada nos últimos 15 anos. Mesmas mazelas, mesmas inquietações do dia a dia.
Nada mais errado do que supor que eles exijam "tecnologia de ponta" na sala de aula (a menos que a aula seja de tecnologia, é claro). Atenção: com isso não quero dizer que não seja legal a tal "tecnologia de ponta". Quero dizer que "tecnologia de ponta" eles têm "na balada". O que eles não têm é Dostoiévski.
O "amor pela tecnologia" é sempre brega assim como constatamos o ridículo de filmes com "altíssima tecnologia de ponta" comum nos anos 80 e 90 (tipo "Matrix"). Hoje, tudo aquilo parece batedeira de bolo dos anos 50. O que hoje você acha "sublime" na histeria dos tablets, amanhã será brega como os computadores dos anos 80.
Dostoiévski é eterno como a morte. Mas eis que lendo uma excelente entrevista com um psicólogo professor de Yale na página de Ciência desta Folha da última terça (19) encontro um dos equívocos mais comuns com relação a Dostoiévski.
O professor afirma que agir moralmente bem não depende de crenças religiosas. Corretíssimo. Qualquer um que estudar filosofia moral e história saberá que acreditar em Deus ou não nada implica em termos de "melhor" comportamento moral. Crentes e ateus matam, mentem e roubam da mesma forma.
E mais: se Nietzsche estivesse vivo veria que hoje em dia -época em que ateus são comuns como bananas nas feiras- existe também aquele que vira ateu por ressentimento.
Nietzsche acusa os cristãos de crerem em Deus por ressentimento (o cristianismo é platonismo para pobre). Temos medo da indiferença cósmica, daí "inventamos" um dono do Universo que nos ama e, ao final, tudo vai dar certo.
Quase todos os ateus que conheço o são por trauma de abandono cósmico. Se o religioso é um covarde assumido, esse tipo de ateu (muito comum) é um "teenager" revoltado contra o "pai".
Mas voltando ao erro na leitura de Dostoiévski. Do fato que religião não deixa ninguém melhor, o professor conclui que Dostoiévski estava errado quando afirmou que "se Deus não existe, tudo é permitido". Erro clássico.
Essa afirmação de Dostoiévski não discute sua crença, nem o consequente comportamento moral decorrente dela (como parece à primeira vista). Ela discute o fato de que, pouco importando sua crença, se Deus não existe, não há cobrança final sobre seus atos. O "tudo é permitido" significa que não haveria "um dono do Universo" para castiga-lo (ou não), dependendo do que você fizesse.
Claro que isso pode incidir sobre seu comportamento moral, mas apenas secundariamente. A questão dostoievskiana é moral e universal, não pessoal. Pouco importa sua crença, a existência ou não de Deus independe dela, e as consequências de sua existência (ou não) cairão sobre você de qualquer jeito. O problema é filosófico, e não psicológico.
O cineasta Woody Allen entendeu Dostoiévski bem melhor do que o professor.