sexta-feira, 30 de março de 2012

Ecochato

Então o moço do Greenpeace me aborda em plena Avenida Paulista, e eu , pra variar, com muita pressa:
 - Faça parte do Greenpeace!
Eu continuo andando, sem me importar.
 - Vem, vamos salvar o planeta!
Eu me viro, com cara de poucos amigos:
 - Vá se importar com a sua vida que já é o suficiente!

Ok, o diálogo não foi bem esse, mas poderia ter sido. A vontade foi essa. Lancei apenas um olhar fuzilante para ele. Mas o olhar disse exatamente isso. E ele entendeu.


quarta-feira, 28 de março de 2012

Habemus Papam



Habemus Papam
Nanni Moretti
2011.

O que era para ser uma comédia italiana (escrachada, gritada, cheia de sexo e nudez, como de costume italiano), se tornou para mim um drama em moldes trágicos.
O ator e diretor Nanni Moretti aborda a escolha e ascensão de um papa ao poder de forma cômica sim, mas o toque trágico está presente em quase todas as cenas em que o então eleito papa aparece.
O filme adentra a vida no Vaticano e de seus cardeais. Logo no início do filme já se tem um dilema moral: a câmera caminha por cada um dos cardeais e lê seus pensamentos, que por fim, se unem num uníssono pedido - eu não, Senhor!
A escolha do papa é feita e lê-se nos rostos de cada cardeal o alívio por não ter sido escolhido e a satisfação por ter a quem seguir, a não ser por um deles: o próprio escolhido. O enredo se dá a partir daí, acompanhando a angústia e o fardo que é sustentar as roupas e o peso moral do que é ser o Papa.
Nanni Moretti aparece como o psicanalista contratado para resolver a indecisão do então escolhido papa em seguir a diante. Impossibilitado de tratar assuntos típicos da psicanálise - infância, mãe e desejos reprimidos - o psicanalista se vê de mãos atadas, mesmo ouvindo o choro sofrido do papa numa oração à Deus.
O papa acaba por fugir do Vaticano e se mistura à população de Roma. Como um simples velho local, ele participa da vida ordinária, dorme, come e se locomove como um anônimo, até se deparar com um grupo de teatro que ensaia uma peça do russo Tchecov. Cenas lindas da sequência que segue, onde o papa e um ator declamam parte de A Gaivota.
Moretti é assumidamente ateu e socialista e isso sem dúvida transparece em alguns momentos de sua crítica à  igreja católica. Mas essa crítica não se limita à religião em si, mas também à psicanalise, a nossa religião moderna.
São muitos os dilemas propostos pelo filme, mas o que ficou é exatamente o questionamento sobre o significado em torno da figura papal: um duelo entre o divino e o humano. A impossibilidade de tratamento e resolução dos conflitos do papa pela Igreja ou pelo psicanalista demonstra claramente em que ponto estamos: nem a religião nem a medicina, estamos mesmo perdidos.
E o sentimento ao final do filme, ao acender das luzes do cinema foi exatamente este. Não há saída.

Pina

Wim Wenders é um dos grandes cineastas de nosso tempo. É responsável por obras-primas como Paris, Texas e Asas do Desejo. Mas o que mais admiro nele é seu bom gosto pela arte. Difícil definir arte, não? Como falar que alguém tem bom ou mau gosto artístico se afinal isso depende exatamente do "gosto"? Cada época, cada espaço no tempo tem sua própria tendência pelo gosto mas sempre seguimos algo já proposto (só se foi original na antiguidade, o resto é cópia ou contra-cópia). De qualquer forma, Wim Wender entende como ninguém como unir os elementos que compõem um filme e como dispor deles de forma divina. 
Já fez isso com a música ao documentar o grupo Buena Vista Social Club, ou antes com O Céu de Lisboa (Madredeus) e até mesmo com a magnífica trilha sonora de O Hotel de Um Milhão de Dólares. 
Desta vez Wim Wender se aventurou pelo mundo da linguagem universal do corpo: a dança. E não escolheu uma companhia qualquer para filmar: foi logo em uma das melhores - a  Tanztheater Wuppertal Pina Bausch.
O documentário começou a ser filmado alguns dias após a morte da coreógrafa alemã Pina Bausch - que faleceu 5 dias após receber o diagnóstico de câncer. A hipótese de não levar a filmagem adiante foi logo afastada pelo corpo de baile, que acabou por fazer uma imensa homenagem à coreógrafa.
O filme mescla cenas de grandes coreografia - A Sagração da Primavera, Cafe Müeller, Lua Cheia e Pátio dos Contatos - e testemunhos dos próprios bailarinos. O que me chamou a atenção foi exatamente a feição de luto de cada um daqueles que se manifestaram: a saudade da grande amiga, mãe e coreógrafa estava estampada no rosto de cada um deles. 
Meu primeiro contato com a arte de Pina se deu pelo cinema: Almodóvar lançou Café Müller em Fale com Ela. Fiquei extasiada com as cenas das cadeiras. Nunca mais tive contato ou notícia da coreógrafa. Até sua morte e início das filmagens deste documentário, em 2009. E agora, vendo a obra-prima finalizada, chego à conclusão que a perda de Pina foi grande sim, mas seu legado sobrevive. 


 Cena inusitada no centro de Berlim.

 Esta imagem me lembrou o final de O Sétimo Selo (referência a Bergman de Pina ou de Wenders?)


Força e delicadeza. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

AS FILHAS DA DESGRAÇA - Pondé

"Eu sou um ex-covarde", escreveu Nelson Rodrigues, no "Globo", no dia 18/10/1968. E continua: "... o medo começa nos lares, e dos lares passa... para as universidades, e destas para as Redações... Sim, os pais têm medo dos filhos; os mestres, dos alunos".




Sobre Nelson, leia "Inteligência com Dor, Nelson Rodrigues Ensaísta", de Luís Augusto Fischer (ed. Arquipélago). Grande livro, rodriguiano até a medula: a inteligência é mesmo uma ferida aberta.
Paulo Francis dizia que um dia o mundo seria tomado pelos comissários do povo. Chegamos perto disso: os comissários dos ofendidos babam de vontade de tomar conta do pensamento público, esmagando tudo o que não concorda com sua autoestima.
Não conseguirão porque o pensamento público é como uma guerra. A arena do pensamento público cria valores na mesma medida em que enfrenta seus algozes.
Não ter medo é um tema mais filosófico do que parece. O filósofo alemão Nietzsche, crítico feroz do cristianismo e da metafísica, era na realidade um crítico do medo. A chave de sua crítica ao ressentimento é a identificação do medo como morte do Eros. E Eros é tesão pela vida.
Quando ele diz que o homem do futuro não necessitará de artigos de fé, ele não pensa apenas na religião, nível menor da sua crítica e onde muita gente fica, mas sim em artigos de fé menos evidentes como "meu eu", "meus valores", "minha dignidade", "minha concepção de vida" ou "meu direito a autoestima".
Enfim, toda essa parafernália brega em moda hoje em dia entre os puritanos seculares (aqueles que perderam Deus, mas continuam derretendo de medo dos seus demônios). Escondidos atrás de esquemas para garantir que seu "eu" não seja inundado pelo pânico da "hostilidade primitiva do mundo", da qual fala Camus.
Por isso basta falar de figuras malditas que o horror sobe à superfície. Uma das figuras que mais carrega esse halo de mal é a prostituta, essa filha da desgraça, como dizia Nelson. Basta mencioná-la e o atávico horror vem à tona.
E aí..., pânico na bancada da classe média. A classe que se define pelo medo, principalmente quando assume ares de rigor moral: treme em surtos de eterno puritanismo.
O problema com a classe média é seu espírito. Diria um marxista blasé que "espírito" é mero epifenômeno do "bolso", mas, como não sou marxista, dou o benefício da dúvida para classe média. O espírito da classe média é um ressentido, por isso teme qualquer abalo em seu mundo do bem. Para ele, enxergar o mundo de frente é fora do orçamento, como uma BMW para alguém que ganha salário mínimo.
Mas o que é a prostituta e por que ela é eterna? A prostituta não é apenas o sexo fácil, é a mulher fácil. É o "lugar" onde o homem descansa e, por isso, é parte essencial de toda civilização. Por isso é um mito.
Para mim, ver o mito da prostituta nos sonhos femininos mais misteriosos é um elogio ao Eros da mulher. Enfim, talvez nem todos os homens amem as prostitutas, só os normais. O amor à promiscuidade confessa é uma arte rara.
Às vezes, segundo as profissionais do ramo, o consumidor nem quer sexo, quer uma "namorada" que o ouça e que ele saiba exatamente quanto custa. Sem ter que pagar pelo "amor" dela (jantares, joias, discussões sobre a relação, cobranças, desempenho sexual, atenção).
Os homens temem as mulheres, e as prostitutas são aquelas de quem eles podem ter menos medo porque acham que as tem em suas mãos.
Mas é difícil para muitas mulheres entender isso. Quer ver?
Colaborei com um veículo importante da mídia numa pesquisa sobre garotas de programa de luxo. Meninas caras, mas nunca tão "caras" quanto namoradas e esposas de verdade.
O que disse acima aparece na pesquisa: a prostituta é a companheira fácil, por tempo determinado e custo previamente estabelecido.
Mas o incrível é que, mesmo essas profissionais, quando indagadas se achariam que seus futuros maridos precisariam de suas ex-colegas um dia, respondem: "Não, nós seríamos mais do que suficiente para eles".
"Ignorance is bliss." A realidade é mesmo insuportável, e a verdade é uma ferida incurável.