terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A democracia da caveira - Pondé



Eu também sou contra a pena de morte. Também acho que grande parte da violência urbana é fruto de miséria, fome, educação ruim e saúde pública ruim. Também concordo que a elite brasileira tem um histórico de maus antecedentes, em sua responsabilidade pela sociedade que lidera (aliás, nenhuma sociedade presta sem o “cuidado” de sua elite).
Também acho que não adianta (somente) a polícia ou as forças armadas invadirem o morro para matar e prender bandido, e que o Estado devia estar lá para cumprir sua função civilizadora. Também acho que é mais fácil prender e matar bandido pobre do que rico. E, sim, o oficialato do Estado, muitas vezes, é tão bandido quanto os traficantes. Acho que qualquer pessoa em sã consciência não pode negar tudo isso. Mas a história não para aí.
Numa cena do maravilhoso “Tropa de Elite 2“, o herói Coronel Nascimento (corajoso, reto e solitário) entra num restaurante para encontrar alguns dos responsáveis pela (in)segurança pública do Estado do Rio. Acuado, temendo um quase linchamento público, nosso herói se assusta quando, ao entrar no restaurante, é ovacionado. Sua voz em “off” diz algo como “… mas o povo gosta é de bandido morto“.
Sim, considero o Capitão Nascimento — promovido a coronel no segundo filme — o primeiro herói produzido pelo cinema brasileiro, para além das tentativas infantis e entediantes de nos fazerem engolir, goela abaixo, bandidos, guerrilheiros de esquerda, drogados, prostitutas e cangaceiros como heróis.
Vale lembrar que o intelectual dos direitos humanos no filme (o Fraga) revela-se um “Capitão Nascimento” em sua função de crítico da sociedade, o que é raro.
Normalmente, os intelectuais das universidades ficam entre si, destruindo carreiras dos colegas, fazendo política institucional comezinha, buscando cargos burocráticos na nomenclatura da universidade ou em partidos políticos afins, dizendo mentiras deslavadas a serviço da ideologia do partido (intelectuais orgânicos) ou de seu corporativismo. Não nos enganemos: Fraga é um Capitão Nascimento, por isso os dois “se encontram” no final. Quem leu o filme como “o Capitão Nascimento pede pra sair” o fez por ignorância ou simples má-fé.
Sim, acho que grande parte de nossa “inteligência profissional” tende a desmerecer este grande detalhe: o “povo”, categoria social tão amada por quem quer fazer dela uma “santidade política”, gosta de ver bandidos presos e mortos. Neste momento, a “inteligência profissional” abandona o “povo” em seu “gosto alienado”.
Aqui erra a “inteligência profissional”, porque querer bandido preso é democracia pura: os pobres são os que mais sofrem com esses bandidos, a invasão do morro é um ato de democracia, o Bope representa, aqui, os direitos humanos da gente comum. Só intelectual gosta de bandido. Pouco importa se a “motivação” da invasão do morro não tenha sido tão “pura” (só contra o crime), nada no mundo é puro. Você é?
Lembre que no primeiro parágrafo digo tudo que “gente bacana” diz (e concordando de fato com a “gente bacana” nesse assunto, coisa rara na minha vida).
Mas quem vive seu dia a dia trabalhando, pagando impostos (sempre avassaladores e abusivos), levando filhos à escola, indo ao cinema, viajando de fim de semana, fazendo compra em shoppings, indo a feiras e supermercados, enfim, vivendo sua vida normal, tem o direito de querer que bandidos sejam presos e, se resistirem, sejam mortos.
Ver-se representado no Capitão Nascimento e no Bope não é pecado de gente reacionária. É condição de quem é vitima, seja de um Estado irresponsável, seja de bandidos e assassinos.
O esperado de uma sociedade decente não é apenas fazer o discurso dos direitos humanos dos bandidos, mas também realizar os direitos humanos de quem vive nos limites da lei.
Passou o trauma da ditadura. A história “andou”. A população quer ver sua honestidade banal e cotidiana contemplada no direito de andar de ônibus e de carro. Basta de papo furado, devemos ter escola, saúde, justiça e faca na caveira. Nada disso é belo, mas um mundo “belo” é para gente infantil.

domingo, 5 de dezembro de 2010