terça-feira, 22 de julho de 2014

David e Golias - J.P. Coutinho


Sempre que escrevo sobre Israel, há um leitor que pergunta: você é judeu? A pergunta é reveladora. Significa que só um judeu pode ser suficientemente louco (ou sanguinário) para considerar que no conflito israelense-palestino é Israel quem tem razão.

Isso reflete o ar do tempo, devidamente criado pela mídia. É lógico que Israel não tem razão, dizem. É lógico que Israel sempre quis expulsar os palestinos do seu território. É lógico que Israel não quer a paz.

Infelizmente, nada disso é lógico e, pior ainda, nada disso sobrevive à história. Sim, a construção de assentamentos na Cisjordânia, pior que um crime, é um erro (obrigado, Talleyrand). Sim, Netanyahu é quase uma "pomba" no seu governo cada vez mais radicalizado.

E, sim, a direita israelense já não acredita na existência de dois Estados depois da retirada de Gaza (e dos foguetes que o Hamas passou a lançar contra Israel).

Mas antes de chegarmos a essas tristes conclusões, é preciso dizer três coisas que qualquer pessoa alfabetizada consegue entender.

Primeiro: o Hamas, que é tratado pelo jornalismo como uma mera "facção" (ou até como um interlocutor válido para a paz), é uma organização terrorista e islamita que nem sequer reconhece o direito à existência de Israel. Um pormenor?

Não. O essencial. O conflito de Israel com a Autoridade Palestina é um conflito territorial. É uma discussão sobre fronteiras; sobre a soberania de Jerusalém; sobre o destino dos refugiados palestinos; sobre o acesso à água -enfim, uma discussão racional.

O conflito com o Hamas é um problema ideológico. Basta ler a carta fundamental do grupo. Depois de prestar vassalagem à Irmandade Muçulmana (artigo 2) e de invocar os "Protocolos dos Sábios do Sião" (artigo 32) como argumento de autoridade (um documento forjado pela polícia czarista no século 19 para "provar" o conluio judaico para dominar o mundo), o Hamas não quer um Estado palestino junto a um Estado judaico.

Quer, sem compromissos de qualquer espécie, a destruição da "invasão sionista" (artigo 28) -do mar Mediterrâneo até o rio Jordão. Os foguetes que o Hamas lança não são formas de reivindicar nada: são a expressão da incapacidade de aceitar que judeus vivam no "waqf" (terra inalienável dos muçulmanos -artigo 11).

Acreditar no Hamas como "parceiro" para qualquer "processo de paz" é não entender a natureza jihadista do grupo. O Hamas não luta em nome da Palestina. Luta em nome de Alá.

Segundo: quando se fala nos "territórios ocupados", Gaza já não está no pacote. Israel se retirou de Gaza em 2005. O território -um antro de pobreza e corrupção- é governado pelo Hamas desde a vitória nas eleições parlamentares de 2006. A partir desse ano, o Hamas entendeu a retirada israelense como uma vitória do terrorismo -e não como o primeiro passo para criar as bases de um futuro Estado palestino.

Depois de Gaza, viria a Cisjordânia e finalmente a totalidade de Israel. Uma pretensão lunática que, sem surpresas, começou por embater frontalmente com a posição mais moderada da Autoridade Palestina. Resultado?

Em 2007, o Hamas e a Fatah (uma facção da OLP) viveram uma guerra civil "de fato" que teve de ser freada por Israel.

Por último, toda a gente sabe que a solução mais realista para o conflito passa pela existência de dois Estados com fronteiras seguras e reconhecidas.

Assim foi antes da partição da Palestina pela ONU (relembro a Comissão Peel de 1937). Assim foi com a Partição propriamente dita em 1947. E, para ficarmos nos últimos anos, assim foi em Camp David (2000). Foi o lado palestino que recusou essa divisão -o maior crime cometido por Yasser Arafat contra o seu próprio povo.

De tal forma que, hoje, já poucos acreditam em divisões. Os líricos falam de um Estado binacional para judeus e árabes (um delírio que ignora, por exemplo, o que se passou na antiga Iugoslávia). Os resignados falam de três Estados: o de Israel, o da Cisjordânia (talvez com ligação à Jordânia) e Gaza (o antro do Hamas).

Simples meditações de um judeu?

Não. Para começar, não sou judeu. E, para acabar, não é preciso ser judeu para compreender que, às vezes, e contra as nossas cegas emoções, Golias tem mais razão que David.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Não sou responsável por aquilo que cativo

Não, eu não sou eternamente responsável por aquilo que cativo.
Saint-Exupéry estava errado. 
Não é a toa que é a raposa quem fala. Animal astuto, sabe cortejar suas vítimas. Coitado do pequeno príncipe, ainda tão imaturo, não sabia que poderia contestá-la. 
Afirmar que se é responsável eternamente por aqueles que te amam é tragédia declarada. Não sou, não posso ser responsável por aqueles que cativei, afinal, para o ato de cativar são necessários dois seres, dois sentimentos recíprocos, duas almas desejantes de amor e carinho. 
Pequeno príncipe habitou toda minha infância e adolescência. Lia e relia o livro já todo desenhado e rasgado, mostras do tempo que me acompanhou. Eram tão lindos os diálogos. Melancolia sem fim. Imaginava passar os dedos pelos caracóis dourados dos cabelos do príncipe. Imaginava o deserto. Uma flor solitária. Um universo bastante pesado para o cotidiano de uma criança. E logo tomei por frase de cabeceira essa que hoje renego: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". Virou marcador de livro. Escrito à mão, doei de presente à um amor pueril. Hoje nem sequer penso mais nesse amor. Desobedeci a raposa e fui irresponsável com meu cativo.
Hoje reafirmo: liberto todos meus cativos! Não quero mais responsabilidades dessa estatura. 
Estou, por fim, livre da sentença da raposa. 


Marketing geopolítico - Pondé


Uma das últimas modas da mídia foi a Primavera Árabe. Neste caso, quase um caso de estelionato geopolítico. O Egito voltou a ser o que era. A Líbia, terra de tribos, caiu no caos. A Síria estava melhor com o Assad mandando. As mentiras do Bush sobre "smoking guns" no Iraque foram também um estelionato geopolítico. Mas, este, todo mundo reconhece. Já a "primavera árabe", custa a ser vista como é: uma invenção do marketing geopolítico da esquerda de butique.

E este marketing serve para grupos como o Hamas fingirem que querem a paz, quando, na realidade, querem matar os israelenses. Não por acaso, o Hamas louvou o assassinato dos três adolescentes israelenses.

Não quero dizer que não exista uma dinâmica política e social no Oriente Médio, quero dizer que esta dinâmica (caótica, violenta, atávica, tribal, religiosa, racial, comercial) nada tem a ver com o que "filósofos queijos e vinhos" pensam que seja.

Vejamos o caso do Estado de Israel. Aliás, talvez este seja um dos assuntos onde o marketing geopolítico mais faz estrago à reflexão.

Israel é um "anacronismo" contemporâneo. Primeiro porque não faz marketing geopolítico e isso, aliado ao velho antissemitismo hoje travestido de crítica a Israel, cria o caldo no qual grande parte da mídia discute o conflito entre judeus e árabes no Oriente Médio. Os árabes investem pesado em marketing geopolítico. Israel, não.

Importante lembrar que os palestinos são uma cabeça de ponte dos países árabes e do Irã que continuam buscando a eliminação de Israel do mapa da região. O marketing geopolítico árabe oculta este fato. O Hamas não lança foguetes pela criação do Estado Palestino, lança pela destruição do Estado de Israel. Sabia disso?

Desde 1948 alguns países árabes tem uma política chamada "judeus ao mar", apesar de não se falar dela hoje porque pega mal para o marketing geopolítico dos árabes e do Irã. O mesmo marketing que alimenta ideias falsas como "primavera árabe". Muitas vezes temos a impressão de que este fator ("judeus ao mar" como política do Hamas inclusive) não existe.




O filósofo britânico, nascido em Riga, Isaiah Berlin (1909-1997), descreve Israel no artigo "The Origins of Israel" de 1953 (republicado no volume "The Power of Ideas", Princeton University Press, 2000) como um anacronismo porque fundado nos mais puros ideais da "intelligentsia" liberal russa do século 19: liberdade, igualdade, justiça, ciência, democracia, ou seja, a busca de assimilação dos judeus aos modos da vida moderna da Europa ocidental.




Para Berlin, se quisermos entender Israel devemos olhar pro século 19. Entretanto, há um outro componente neste processo: a influência das comunidades religiosas judaicas do Leste Europeu. Esta mistura cria um conflito interno no Estado judeu (identificado hoje no conflito seculares x ortodoxos), ainda que, na sua origem, o ideal era que os judeus das comunidades fechadas do Leste Europeu, em algum momento, seriam assimilados ao modo de vida secular. Isso não aconteceu. Ao contrário, as mulheres ortodoxas são três vezes mais férteis do que as seculares.




Como dizia antes, Israel não trabalha no plano da propaganda geopolítica como o Hamas. O Hamas se esconde atrás da população civil porque sabe que quando Israel é obrigado a revidar, muita gente morre e a mídia internacional embarca de novo no estelionato geopolítico.




Quer exemplos? 1. No dia 15 de julho, um hospital em Gaza foi danificado por mísseis. Por quê? Porque o Hamas colocou uma base de lançamento de foguetes contra Israel ao lado do hospital. 2. Você já se perguntou por que só aparece foto de criança chorando em Gaza? 3. Quando Israel lança panfletos dizendo para as famílias saírem de casa por conta de ataques na região, se você sair, o Hamas considerará você colaborador do sionismo.




Os defensores da política de "judeus ao mar" sabem que militarmente perderam todas as guerras, do contrário Israel não existiria mais. Por isso, investiram na mídia: esperam que muitos palestinos morram para dizer que Israel é mau e eles uns "docinhos de coco"