Abre aspas. “Ela estava de pé em minha frente. Eu, sentado, ofegante, à espera do próximo passo daquela fera. Ela, com um sapato preto de salto alto. As pernas suavemente abertas. Por sob a saia preta, o sangue começava a escorrer por entre as pernas. Aquele líquido vermelho, delicioso, quente, promissor, me chamava para uma forma ainda desconhecida de desejo: beber seu sangue menstrual. Ela mergulha o dedo no sangue e, suavemente, molha os lábios com ele, sugando-o, avidamente.
Não resisti. De joelhos diante de minha deusa, ofereci minha boca para aquele líquido sagrado. Lavei suas pernas com meus beijos. Nunca senti nenhum prazer igual. O gosto, não dá pra descrever, é como se finalmente tivesse descoberto o verdadeiro sabor da alma feminina.
Mas ela não se deixou dominar facilmente. Tive que usar de toda minha força masculina para finalmente imobilizá-la e roubar dela todo o seu sangue delicioso.
Ao final, caída no sofá, minha presa respirava agonizante diante de minha fúria animal. Eu, paralisado, contemplava minha escravidão. Assim tornei-me uma espécie de vampiro. Caço mulheres menstruadas pelas noites. Não para matá-las, jamais! Mas para beber a delícia que delas brota uma vez por mês. Uma dádiva para o homem que conhece o gosto de mulher. Agora entendo por que as mulheres eram vistas como deusas. Não porque são mães em potencial, mas porque nos alimentam com suas entranhas. De início, ficam um pouco tímidas, mas depois dos primeiros “assaltos” à sua intimidade fisiológica, percebem que minha obsessão é na realidade a forma mais verdadeira de amor à mulher. Agora, só saio com mulheres menstruadas“.
Fecha aspas.
Calma, cara leitora. Não engasgue. Se menstruada, sinta-se visitada neste café da manhã de segunda-feira. Não, o colunista não enlouqueceu, apenas faz paródia pobre da cena em que o personagem masculino criado pelo magnífico escritor americano Philip Roth bebe o sangue menstrual de sua amada Consuela. O livro chama-se Animal Agonizante, e o filme, “Fatal“. O casal foi interpretado por Ben Kingsley e Penélope Cruz. Se o leitor não tem inveja de Javier Bardem, marido da Penélope, melhor sair do armário de uma vez.
O sangue menstrual é a nova forma de afirmação para algumas mulheres que se recusam a vê-lo como “maldição” fisiológica.
O filme “Carrie, a estranha”, de Brian de Palma, traz a famosa cena onde a mãe louca castiga sua filha por conta de sua primeira menstruação. Elas eram “Testemunhas de Jeová” e este filme ajudou a difundir uma péssima imagem dessa forma ímpar de cristianismo, além de popularizar a ideia de que menstruação é castigo.
Semana passada o caderno Equilíbrio desta Folha deu uma interessante matéria sobre cultos ecofeministas que buscam reconstruir outro significado para a menstruação.
Há algum tempo meus alunos de comunicação conhecem fenômenos desse tipo. Como todo processo religioso, eles buscam “dar significado” a fatos da vida.
Neste caso específico, tirar a imagem pejorativa da menstruação através da valorização de um “fato fisiológico” (a menstruação), associando-o à preocupação ecológica (absorventes sintéticos poluiriam, em oposição aos métodos “do bem” das vovós ou “copinhos” que colheriam o sangue para posterior entrega à “mãe-terra”). Estamos aqui diante de uma “releitura” de supostas antigas formas religiosas pagãs (termo impreciso).
Minhas alunas acham a ideia muito estranha. Eu, não especialmente, acho-a até sensual. Elas pensam que se trata de um delírio e nada mais. Falta do que fazer. Excessos de uma época sem rumo.
O personagem de Roth talvez subisse numa árvore para ver esse estranho culto, revivendo a tragédia das Bacantes. E por isso mesmo, quem sabe, fosse devorado por elas em êxtase místico.