Assisti recentemente ao filme "Ida", dirigido por Pawel Pawlikowski e vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Gostei. Esteticamente deslumbrante, a obra apresenta-nos uma noviça que, antes de tomar votos no convento, conhece a história do seu passado. E descobre que, afinal, é judia. Mais ainda: a família morrera na Segunda Guerra Mundial e imediatamente depois de 1945.
Essa última afirmação é a mais polêmica de todas: depois de 1945? Precisamente. Na Polônia (mas não apenas na Polônia), os crimes antissemitas continuaram a ser praticados pelos nativos. Sobretudo quando os judeus sobreviventes tinham a ambição legítima de retornar às suas casas entretanto ocupadas.
O filme retrata isso quando Ida, na companhia de uma tia, visita a casa paterna –e os novos habitantes reagem com indisfarçável desconfiança e mesmo hostilidade. Não admira que o filme tenha provocado discussões mil na Polônia.
"Ida" transporta essa desconfortável verdade: o antissemitismo não terminou com a libertação de Auschwitz, tal como afirma Jeffrey Goldberg em artigo obrigatório para a revista "The Atlantic". A Polônia do pós-guerra é um exemplo. Mas a Europa atual é um exemplo ainda maior.
O primeiro mérito do artigo está no fato de Goldberg não se prender apenas aos crimes antissemitas mais recentes e midiáticos –a chacina de Paris, o tiroteio em Copenhague.
O problema é mais vasto e uma das formas de olhar para ele é com números: na França, a comunidade judaica representa 1% da população total (qualquer coisa como 475 mil pessoas). Em 2014, esse 1% foi vítima de mais de metade dos ataques racistas em todo país.
Será de espantar que 7.000 judeus franceses tenham decidido partir no mesmo ano para Israel –e que, em 2015, a cifra possa até dobrar?
Não há espanto. Jeffrey Goldberg defende que o "novo" antissemitismo, ao contrário do velho, é hoje uma combinação aparentemente bizarra –uma mistura de "judeofobia muçulmana" com "neonazismo" tradicional.
Não contesto essa mistura. Mas contesto a "novidade": um conhecimento da história do Oriente Médio, e em particular do Mandato Britânico para a Palestina entre as duas Guerras Mundiais, já apontava nesse sentido.
Amin al-Husseini, o famoso "mufti" de Jerusalém que os ingleses acreditavam ser o agente da paz na conflitualidade entre árabes e judeus, era pessoa íntima do Terceiro Reich.
Terminado o conflito em 1945, foi considerado criminoso de guerra. A fuga para o Egito salvou-o de um destino semelhante ao de muitos nazistas em Nuremberg. Histórias que parecem novas são, na verdade, bem antigas.
E o autor do artigo mostra-nos isso, sobretudo quando fala da Suécia. Desconhecia a vida negra, negríssima, que os judeus do país levavam. Mas o caso da cidade de Malmö, analisado por Goldberg, merece um capítulo à parte.
Com 300 mil habitantes, Malmö tem 50 mil muçulmanos –e uma comunidade judaica com 1.000 pessoas apenas. Mas nem essa insignificância demográfica impede que o rabino da sinagoga local, Shneur Kesselman, tenha sofrido 150 ataques nos últimos dez anos –verbais ou físicos. Fugir, para ele, está fora de questão. Isso seria uma vitória dos antissemitas.
Admiro a coragem do homem. Mas, aqui entre nós, quem, em juízo perfeito, toleraria 150 ataques em dez anos de existência?
É por isso que, na conclusão do artigo, Jeffrey Goldberg termina com um melancólico otimismo: se ele fosse judeu a viver na Europa, provavelmente pensaria em sair. Mas a grande vantagem dos judeus de 2015 sobre os antepassados de 1933 está na existência do Estado de Israel. Um "bote salva-vidas", como ele diz, e que teria mudado a história se já existisse em 1939.
Difícil negar. Mas também não deixa de ser arrepiante a forma como esse "bote salva-vidas", mais de meio século depois, nem a sua própria salvação tem garantida.
E se o leitor pensa que falo de um Irã com capacidade nuclear, garanto que não preciso ir tão longe. Aqui ao lado, a Universidade de Southampton (Reino Unido) prepara-se para organizar em abril uma "conferência" de três dias para questionar a "legitimidade" da existência de Israel.
É o eterno retorno: primeiro, questiona-se a existência; depois, alguém irá tratar dela por outros métodos.
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