terça-feira, 22 de janeiro de 2013

As faces do horror





As duas faces do horror: a esposa estacada, inerte, muda e distante, com o olhar vidrado e sem vida; o marido encarando-a com espanto, falta de entendimento e terror.
Essa é uma das cenas inicias do filme Amor, de Michael Haneke, vencedor da Palma de Ouro, do Globo de Ouro de filme estrangeiro e concorrente do Oscar 2013. O tema é mais banal do que parece: a velhice. E para além disso está o verdadeiro enredo: nunca há uma saída bela e tranquila para esse fato.
Haneke é famoso por seus filmes ultraviolentos e de temas bem pouco palatáveis (como a gênese do autoritarismo na Alemanha pré-Segunda Guerra). Em Amor ele faz transbordar outro tipo de linguagem - a do silêncio e da tristeza. A violência também se faz presente desta vez, mas ela transparece num formato muito mais cruel do que assassinatos sangrentos e tortura. Ela se mostra naquela forma inevitável da morte que nos corroerá a todos, pois estaremos de um lado ou de outro. Resta a dúvida de qual seria o menos doloroso: perceber (lentamente ou de repente) que o corpo já não responde aos mandos da mente e que esta, por sua vez, já não desempenha o mesmo papel e definhar até se perder de si, até se tornar qualquer coisa que não um humano ou ver isso infligido ao outro, àquele que se ama e ter a consciência de que não há solução e se, por ventura essa solução despontar, será ainda mais cruel e inevitável.

Por mais que o mundo contemporâneo insista em nos fazer descer goela abaixo a ideia de "melhor idade", todos nos deparamos, de uma forma ou de outra, com a decrépita dissolução da vida que o envelhecimento nos traz. E no final, não poderemos nem ao menos escolher de qual lado estaremos. Reze, para que no seu caso, seja o menos pior.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Homens que não bancam - Pondé


Em dias de preguiça de verão, vi um filme desses de cujo nome ninguém se lembra. Férias devem ser assim: nada fazer e quando fizer, fazer nada.

Mede-se a liberdade de uma pessoa pela capacidade que ela tem de fazer nada nas férias sem sentir aquele apelo de classe média de "fazer algo nas férias".

Mas eis que um filme me chamou atenção pela temática: o problema que é quando o homem vive sustentado pela mulher.

O personagem em questão pergunta para uma advogada que o está defendendo num caso: por que homens aos montes sustentam financeiramente mulheres, e o contrário é visto com maus olhos?

A questão é que homens que pegam dinheiro de mulher são vistos como maus-caracteres. E ponto final. Não seria esse mais um preconceito que deveríamos combater, assim como achar que os ratinhos não têm alma?

Antes de tudo, devo avisar às sargentas de plantão de que pouco importa que estatísticas apontem muitos casos de mulheres que sustentam famílias nas classes C e D (normalmente são mães sozinhas).

Quando eu era estudante de medicina na Universidade Federal da Bahia e dava plantão em cidades paupérrimas no interior do Estado, atendia quatro mulheres ao mesmo tempo (aquele tipo de experiência que a esquerdinha dos jantares inteligentes paulistanos morreria de medo de ter, mas mente dizendo que se importa com o sofrimento no mundo). Mulheres assim se apresentavam como "largadas de marido".

Tampouco os "inteligentezinhos" devem perder seu tempo falando que seu terapeuta corporal vive muito bem cozinhando para a esposa médica na casa deles em Cotia.

A questão do personagem merece atenção para além das modinhas. Homens assim são chamados "homens que tiram dinheiro de mulher". A questão é: por que ainda hoje homens assim são malvistos? Por que se olha para eles com suspeita de que sejam maus-caracteres?

Claro que existem exceções, isto é, casais que vivem bem com arranjos assim; mas o fato é que esses arranjos costumam ter prazo de validade curto. E muitas brigas versam sobre essa "situação".

Esse normalmente é aquele tipo de tema sobre o qual não se fala em famílias educadas ou entre pessoas que fingem que o mundo mudou depois dos anos 1960. Este tipo então é muito engraçado.

A verdade é que, mesmo que bem-sucedidas, mulheres que sustentam seus parceiros sentem, no silêncio do cotidiano, ou na agonia de ter que pagar as contas no final mês, um gosto amargo de solidão na boca. Seria idiota imaginar um homem que sustenta sua mulher sofrer por se sentir "só" na função de provedor da família. Por que as mulheres se sentem sozinhas nessa situação, e os homens não?

Mas nossa heroína se pergunta: será que eu não mereço mais? Por que justo eu não consigo que meu parceiro me "banque"?

O mais duro é que mesmo em casos comuns nos quais os casais dividem os gastos, essas mulheres, que dividem os gastos, também "invejam" aquelas que têm maridos que "bancam".

Há casos em que mesmo que elas não precisem, gostariam de ter maridos que "banquem". Eis o príncipe eterno. Todas o querem.

Aliás, o verbo "bancar" (e sua ambiguidade entre "sustentar", "enfrentar situações difíceis" e o substantivo "banco", lugar de dinheiro) vem muito a calhar.

É comum dizer que, em casos nos quais a mulher tem muita grana, isso nunca é um problema. Acho que sim, mas nem tanto. Se ele não a banca financeiramente, porque ela de fato não precisa, ele terá que bancá-la em outro lugar. A mulher sempre quer "ser bancada".

O incômodo feminino com homens "que não bancam" parece passar não só pela falta de grana (essa é apenas a mais universal das referências), mas essencialmente pelo problema do homem que "não tem atitude". "Ele podia pelo menos se mexer...", diria nossa heroína. Logo ela perderá o respeito por ele. Seria a causa biológica ou cultural?

Se a mulher séria tem de provar que não dá por aí, o homem sério tem de provar que não quer pegar dinheiro de mulher. Eis dois limites do blá-blá-blá contemporâneo.

Mesmo que façam pose de bem resolvidas bancando seus homens, essas mulheres sofrem com isso e estão mentindo.