Um casal conversa na mesa de jantar de casa no final de um dia comum. Classe média média (duas vezes média). Ele com cara de cansado (deve ter um desses empregos nos quais pessoas como ele engolem sapos diariamente fingindo que ainda são donos de suas vidas), ela com cara de quem tomou banho para jantar, mas permaneceu com ar de enfado. Deve ter esperado o marido o dia todo, mas não com muito gosto...
Ele (Mário Alberto) pergunta o que há para sobremesa. Ela (Odette) responde "tangerina". Ele reclama que a única coisa que queria quando chegasse em casa depois de um dia inteiro de trabalho era uma sobremesa decente. Nada de chique, talvez um pudim. Ou mesmo algo que ela goste. Ou seja, ele não é exigente. Carrega em si aquele ar esmagado de quem sabe que já perdeu a partida com a vida e com o mundo. Normalmente, a esposa encarna tanto a vida quanto o mundo para os "bons maridos".
Nelson Rodrigues costumava dizer que todas as qualidades que fazem de um homem um grande e desejado homem são inviáveis em "bons maridos".
Ele diz para ela que uma sobremesa decente é tudo que ele quer, e pergunta para ela o que ela quer. Aí, vem o show de Odette.
Ela diz: (perdão pela licença poética) "O que eu quero Mário Alberto? Você quer saber o que eu quero? Eu quero foder. Veja que não disse fazer amor, transar ou fazer 'nheco-nheco', mas foder".
Odette passa a qualificar "seu desejo": ela quer foder não apenas com Mário Alberto, mas com o chefe dele (imagem particularmente tocante no que diz respeito a um homem humilhado que teme que sua mulher sonhe em dar justamente para aquele desgraçado que manda nele), com o irmão dele, com o time de futebol da Nigéria, com o exército de Israel.
Assume-se que o time da Nigéria seja composto de negros fortes e bem dotados e que não perguntarão para ela "meu amor, com todo respeito, você faria amor comigo hoje? Se não estiver bem disposta, ok, entenderei e continuarei a te amar".
Quanto ao exército de Israel, Odette parece desejar suas famosas e decantadas virtudes militares: coragem, eficiência incomparável, audácia, juventude e vitórias consecutivas contra milhares de inimigos ao mesmo tempo e de todos os lados. Odette parece lembrar o que o mundo esqueceu: o exército de Israel é que está esmagado por inimigos de todos os lados, e não o Hamas.
Mas Odette não para por aí. Sem citar aqui todos os exemplos que ela dá de seu desejo escondido, passemos ao "modo" como ela quer que este desejo se realize: Odette quer que usem e abusem dela, que a tratem como cadela, que a deixem assada e doída, que sua boca fique imprestável. Ao final, depois de dizer que quer tudo isso repetidas vezes, confessa que também quer "passar recibo" de tudo que deu e recebeu como um modo claro de dizer "sim, sou a vagabunda de vocês".
Impossível não relacionar Odette (inclusive pelo nome dela) a algumas heroínas rodriguinianas conhecidas como bonitinhas mas ordinárias, que pedem para homens as violentarem enquanto as chamam de cadelas.
Após dizer tudo isso, ela silencia e continua a comer com aquela contenção de classe média à mesa. Não esqueçamos que "etiqueta" é coisa de gente que queria ser elegante mas não consegue. Traço claro de decadência.
Ele, assustado, diz que "tangerina está ótimo". Ela avisa que a tangerina não está gelada, mas ele diz que tudo bem assim. Mário Alberto reassume o papel que deve desempenhar todo o dia, todos os dias.
Trata-se de um
vídeo da internet que é muito indicativo do que é a incomunicabilidade da vida cotidiana entre as pessoas. No caso específico, um casal de classe média.
Claro está que Odette, mulher sem grandes dotes de beleza ou sensualidade, não parece feliz com sua vida sexual de "mulher de família". Não quer ser "uma mulher de família". Quantas Odettes irão a sua festa de Réveillon hoje? Espero que pegue uma.
O mundo não muda, nem os homens, nem as mulheres. Liberte-se do mito desta mudança. Resta para os caras a pergunta que não quer calar:
Quando vai se alistar no exército de Israel? Feliz 2013 com sua Odette