sexta-feira, 7 de março de 2014

Tudo muda

Impressionante. Resolvi reler algumas postagens deste blog, em funcionamento desde 28 de agosto de 2006, quando deu continuidade a outro blog, que já não recordo data ou nome.
Conclusões:
1. Eu escrevia muito, todo dia, mesmo que fosse uma única frase.
2. Eu gostava de poemas. Coisa estranha pra mim hoje.
3. Eu escrevia poemas. Mais estranho ainda...
4. O ócio é realmente criativo. Me sinto bem mais vazia hoje, 8 anos depois, terminados uma faculdade, uma especialização e um mestrado.
A vida muda. Mudou. E a única conclusão real é que conhecimento nunca trouxe felicidade.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Sociologia do ateísmo - Pondé 03/03/14

Semanas atrás, escrevi nesta coluna ("Quem Herdará a Terra?") sobre uma disciplina chamada demografia das religiões. A tese do autor em questão, Eric Kaufmann, é que os seculares têm muitas ideias, mas têm poucos filhos, e por isso em breve o Ocidente perderá em muito seu perfil secular.

Mesmo aqueles seculares que adotam a teoria da seleção natural de Darwin como visão de mundo, adotam-na apenas na teoria, porque na prática não o fazem: seleção natural, no limite, é reprodução; quem não reproduz desaparece. E as mulheres seculares são inférteis por conta dos valores individualistas que carregam.

Recebi muitos e-mails (não imaginei que esse assunto seria um blockbuster) e alguns me chamaram a atenção para um fato interessante: os ateus (que não são a mesma coisa que os seculares, porque posso crer numa inteligência organizadora do universo e não crer que ela seja Jesus ou similar, e viver sem referência a qualquer código religioso) creem firmemente que dominarão o mundo por meio da educação, das ciências e da tecnologia. Podem estar bem errados.

O ateísmo vem muitas vezes acompanhado de uma crença num processo histórico inexorável em direção ao ateísmo universal, uma vez dadas "educação e cultura" para todos. Esquece, esta querida tribo, que as pessoas, sim, fazem escolhas baseadas em modos distintos de valorar a vida e seus sucessos, e que, sim, muitas comunidades religiosas usam ciência e tecnologias da informação ao seu favor e com grande habilidade.

Antes de tudo, é importante reconhecer que a sociologia do ateísmo, sim, pode nos fazer crer, em alguma medida, que há uma relação entre alta formação cultural, boa educação universitária e "ateísmo orgânico", aquele tipo de ateísmo a que você chega por meio da escolha livre --e não porque algum regime totalitário (como o de Cuba) ou pais autoritários proíbem você de crer em Deus ou similar.

Mas o tema transcende essa teoria e é por demais importante para ser pego nas redes de "pregações" disso ou daquilo, pelo menos para quem acredita que a sociedade secular deve ser cuidada, mas não iludida com seus próprios fantasmas de sucesso no futuro.

Vejamos alguns dados dos pesquisadores Norris, Inglehart, Davie, Greeley, Bondenson e Peterson. Peguemos países estatisticamente apontados como possuidores de alta percentagem de ateus orgânicos da Europa ocidental:

Suécia: em 1999, 85% se diziam ateus; em 2001, 69%; em 2003, 74%; em 2004, 64%. De 1999 até 2004 há uma variação para baixo dos ateus assumidos.

Dinamarca: em 2000, 80% se diziam ateus; em 2003, 43%, e em 2004, 48%. Ainda que tenha havido um pequeno crescimento entre 2003 e 2004, a queda entre 2000 e 2004 é evidente.

Noruega: em 2000, 72% se diziam ateus; em 2003, entre 54% e 41%; em 2004, 31%. Também queda.

Finlândia: em 2000, 60% se diziam ateus; em 2001, 41%; em 2004, 28%. Também vemos uma redução dos ateus assumidos.

Entretanto, sabemos que pesquisas nem sempre são precisas e que seus métodos variam e, portanto, seus resultados podem não ser tão autoevidentes.

Esses países têm visto um número crescente de grupos cristãos fundamentalistas, mas o importante é entender que esse crescimento se dá, diferentemente do caso dos EUA, ainda sob grande discrição. Sem ruídos, mas com determinação.

O caso dos luteranos laestadianos finlandeses (comunidade luterana fundamentalista na vila de Larsmö) é de chamar a atenção.

A relação entre a fertilidade de suas mulheres e a das finlandesas seculares é a seguinte, respectivamente: 1940, dois bebês contra um; 1960, três bebês contra um; 1980, quatro bebês contra um. Em 1985, a taxa de fertilidade de cada grupo era 5,47 para as fundamentalistas e 1,45 para as seculares.

A maioria das instâncias de razão pública (tribunais, universidades, escolas, mídia) é, ainda, tomada por seculares. Isso nos faz pensar que o mundo é "nossa bolha".

Veja que, no Brasil, nem o poderoso movimento gay conseguiu derrubar o pastor Feliciano. O "lifestyle" individualista secular é autocentrado e dado a "causas do Face", e por isso não tem defesa contra mulheres férteis e homens determinados.

domingo, 2 de março de 2014

Por que a Beleza importa

A Grande Beleza é um daqueles filmes que não suporta o meio termo: é amado ou odiado. 
Logo nas primeiras cenas em ritmo frenético, embaladas por uma miscelânea bacante entre a música pop e a clássica, o personagem principal nos é apresentado: o jornalista Jep Gambardella, "o rei dos mundanos", um dândi pós-moderno, surgindo com seu indefectível terno alinhado, por entre as muitas mulheres de sua festa de aniversário. A câmera vira de ponta cabeça enquanto Jep saracoteia entre os convidados ao ritmo de "La Colita". E então, a cena desacelera e o tempo quase para quando se ouve os pensamentos de Jep pela primeira vez: "Para esta pergunta, quando jovem,meus amigos davam sempre a mesma resposta. A xana. Mas eu respondia outra coisa: O cheiro da casa dos velhos. A pergunta era: O que você mais gosta na vida? Eu estava destinado a sensibilidade".  
Eis a essência do filme. As disparidades entre vulgar e o clássico, o cafona e o belo. 
Jep havia possuído todos os tipos de mulheres até seus 65 anos, mas a beleza lhe escapara. 
Fellini  renasce com A Grande Beleza. É impossível dissociar este de La dolce Vita. Em ambos a decadência da vida mundana é exposta e escancarada pelos pensamentos de um jornalista em crise. Os cortes e montagens de cenas e planos de Sorrentino são descaradamente fellinianos. E então a beleza se espalha por todas as cenas. 
A Roma clássica é resgatada por Jep, que caminha com uma stripper - Ramona, a filha de um amigo de Jep -  por dentro de palácios, repletos esculturas romanas e quadros renascentistas. Os dois fugiram de mais uma festa incansável, onde o centro das atenções era uma garotinha raivosa que atirava latas de tinta sobre uma enorme tela. E, como por milagre ou mágica, atravessam um jardim acompanhados por um porteiro manco, detentor das chaves dos palácios. Ramona indaga o porteiro de como havia conseguido ser o guardião das chaves dos palácios. E esse responde: "Sou uma pessoa confiável". 
O contraponto é claro: há que se confiar no belo. No clássico. A modernidade renegou essa herança, e hoje, o que nos sobrou foi apenas um bando de crianças fingindo a arte e sendo aplaudidas pelo grande público. A modernidade profanou a beleza.
Em uma das cenas finais, Jep conhece uma freira tida por santa. Naquilo que é uma das mais lindas cenas do filme, a santa observa uma revoada de flamingos (quer ave mais bela que essa?) que pousou no terraço de Jep, e pergunta a ele por que nunca mais escreveu (Jep escreveu apenas um livro, responsável por toda sua fama no mundo das celebridades). Ao que esse responde: "Eu procurava a grande beleza. Mas não encontrei". A santa então pontua: "Sabe por que só como raízes? Por que raízes são importantes". 
Estar no mundo é viver pequenos lampejos de beleza. É o que Jep reflete quando revisita o primeiro amor e a primeira visão de beleza. 
O resto é tudo ilusão. 
La grande bellezza
2013
Paolo Sorrentino