segunda-feira, 22 de agosto de 2011

OS SEM-IPAD - Pondé

Você sabia que agora existe em Londres o movimento dos sem-iPad? Coitadinhos deles. Quebram tudo porque a malvada sociedade do consumo os obriga a desejar iPads… No passado todo mundo era “obrigado” a desejar cavalos, tecidos de seda, especiarias, facas, tambores, ouro, mulheres…
Como ficam as pessoas que desejam, não têm, mas nem por isso saqueiam lojas, mas sim trabalham duro? Seriam estes uns idiotas por saberem que nem tudo que queremos podemos ter e que a vida sempre foi dura?
Esta questão é moral. Dizer que não é moral é não saber o que é moral, ou apenas oportunismo… moral. Resistir ao desejo é um problema de caráter. Um dos pecados do pensamento público hoje é não reconhecer o conceito de caráter.
Logo existirão os “sem-Ferrari”, os “sem-Blackberry”, os “sem-Prada” também? Que tal um “bolsa Blackberry”? Devemos criar um imposto para os “sem-Blackberry”?
Na Inglaterra, dizem, existem famílias que nunca trabalharam vivendo graças ao governo há gerações. É, tem gente que ainda não aprendeu que não existe almoço de graça.
Mas esse fenômeno de querer desculpar todo mundo da responsabilidade moral do que faz não é invenção de quem hoje justifica a violência em Londres clamando por justiça social na distribuição de iPads.
É conhecida a passagem na qual o “homem do subsolo” no livro “Memórias do Subsolo”, de Dostoiévski, abre suas confissões dizendo que é um homem amargo. Em seguida, alude à teoria comum de que ele assim o seria por sofrer do fígado. Logo, a culpa por ele ser amargo seria do fígado.
Ele recusa tal desculpa para sua personalidade insuportável e prefere assumir que é mesmo um homem mau. Eis um homem de caráter, coisa rara hoje em dia.
Agora, todo mundo gosta de “algum fígado” (a sociedade de consumo, o patriarcalismo, a Apple) que justifique suas misérias morais.
O profeta russo percebeu que as ciências preparavam uma série de teorias que tirariam a responsabilidade do homem pelos seus atos.
A moda pegou nos jantares inteligentes e hoje temos vários tipos de “teorias do fígado” para justificar nossas misérias morais. Uma delas é a teoria de que somos construídos socialmente.
Dito de outra forma: O “sujeito é um constructo social”. Logo, quebro loja em Londres porque fui “construído” para enlouquecer se não tenho um iPad. Tadinho…
Tem gente por aíque tem verdadeiro orgasmo com essa bobagem. 
Não resta dúvida de que há algo verdadeiro na ideia de que somos influenciados pelo meio em que vivemos. Por exemplo, se você nasce numa favela, isso não vai passar “desapercebido” nos seus modos à mesa, no seu comportamento cotidiano e nas suas expectativas e possibilidades na vida.
Mas aí dizer que “o sujeito é um constructo social” é pura picaretagem intelectual. Ninguém consegue ou conseguirá provar isso nunca, mas quem precisa de “provas” quando o que está em jogo são as ciências humanas, que de “ciência” não têm nada.
Esse blábláblá não só exime o sujeito da responsabilidade moral, como abre a porta para todo tipo de “experimento” psicossocial, político ou justificativa moral, que, na realidade, serve pra qualquer um inventar todo tipo de conversa fiada em ciências humanas “práticas”.
Por que tanta gente adora essa teoria? Suponho que, antes de tudo, o alivie de ser você e coloque a “culpa” de você ser você no pai, na mãe, na escola, na vizinha, na sociedade, no consumo, na igreja, no patriarcalismo, no machismo, na cama de casal, no iPad, no diabo a quatro. Menos em você.
Temos aí uma prova de que grande parte das ciências humanas não reconhece o conceito de caráter.
Moral é exatamente você resistir a impulsos que outras pessoas, sem caráter, não resistem. Já leu Aristóteles? Kant?
A “culpa” do que hoje acontece em Londres não é do consumo. Homens sempre quebram coisas de vez em quando e querem coisas sem esforço. As causas podem variar. Hoje em dia, seguramente, uma delas é que muita gente está acostumada a um Estado de bem estar social que os trata como bebês. A preguiça, sim, é um traço universal do ser humano
 

25 comentários:

Rogério disse...

Trabalhar como escravo a vida toda para gerar lucros exorbitantes pra um punhado de gente? Pra que?

flávia disse...

o pior são aqueles que não trabalham e querem o "lucro" alheio...

José da Silva disse...

Se trocar "sem-iPad" por 'sem perspectiva de vida', talvez o texto fique mais interessante.

Marian disse...

O sociólogo Silvio Caccia Bava tem outras opiniões sobre os saques em Londres. Link: http://www.youtube.com/watch?v=HI1YSPHVeIA

flávia disse...

O texto não procura ser "interessante". Se quiser algo "interessante" leia Caras, Contigo. O texto mostra uma perspectiva fora do politicamente correto.

Marian: tem muita gente que tem opiniões diferentes. Publiquei aqui um texto que expõe também minha visão. Agora, uma coisa é certa: vandalismo e violência não é resposta para "crise" nenhuma.

Marian disse...

Flávia, na sua perspectiva não é. Mas na de quem não tem grana pra condução pra ir buscar emprego, e esta a todo momento sofrendo violência da policia, talvez seja.

No Rio de Janeiro, estes dias, aconteceu uns confrontos entre moradores e policiais das UPPs, por abuso de autoridade por parte dos militares.

Rogério disse...

Também acho que pior são aqueles que não trabalham e querem ficar com o lucro alheio. Tipo grandes corporações que usam da mão de obra barata (alguns quase escravos) e lucra um monte.

flávia disse...

Os conflitos do Rio ultrapassam essa linha do "pobre, negro, desmerecido"....

Roger: mas você está se saindo um ótimo filhote de Niemeyer! O comunista de carteirinha do Brasil! hahahaha. Trabalho escravo existe mesmo. Mas não é disso que eu estou falando e nem Pondé.

Rogério disse...

Estou falando de quem rouba o "lucro" de trabalho alheio.

Os conflitos estão desconectados uns dos outros claro, se trabalho escravo existe, jornadas de trabalho exaustivas com salario de miséria também, mas é claro que isso nada tem a ver com a insatisfação das pessoas.

Então estamos numa discussão entre filhote de Niemeyer e filhote de Pondé.

flávia disse...

Bom, isso é verdade, pode me considerar "filhote de Pondé", rs... e se estamos falando de salários baixos e e jornadas excessivas então pode me incluir aí também! hahahaha. Professor é professor...

Rogério disse...

Mas sobre Niemeyer sei bem pouco.

Marcos disse...

Filhote de Pondé, Olavão e Direita Católica. rsrs

Manu disse...

Pondé quando escreve - "Na Inglaterra, dizem, existem famílias que nunca trabalharam vivendo graças ao governo há gerações." - ele deve estar falando da família Real.

flávia disse...

Manu: ele está falando sobre o welfare state...rs. O mesmo problema da Grécia, Espanha e até Portugal. O povo que vive agarrado nas tetas do Estado.

Manu disse...

O povo que vive agarrado nas tetas do Estado.

Isso mesmo, como a família real.

flávia disse...

tá mais para Fidel, Chávez e cia do que para família real. A realeza não se sustenta do Estado . ela É o Estado.

Manu disse...

E se sustenta com a força de quem? Por onde?

flávia disse...

Pra te responder isso precisaria te dar uma aula sobre a formação dos Estados Nacionais e antes disso, sobre a passagem da Antiguidade para o feudalismo. Tá afim?

Manu disse...

To sim, se quiser escrever um pouco sobre.

Uma coisa eu sei, sempre esta atrelado a explorar uma pá de seres humanos.

Manu disse...

A família Real pode roubar e saquear.

flávia disse...

Manu: privilégios a realeza sempre teve, desde sua origem e não apenas aqui no Ocidente. Se puxarmos lá na Antiguidade oriental, os Faraós, considerados deuses na Terra também cobravam tributos, assim como as civilizações pré-colombianas e assim como a partir da formação do Estado moderno, com a união dos burgueses ao rei, cada qual com seus interesses. Portanto, isso não é algo criado de uma hora para outra e sem finalidade. Se compararmos, por exemplo, desvio de dinheiro e corrupção , entre Inglaterrra e Brasil, sem dúvida você já sabe quam ganha feio no quesito "mamar nas tetas do Estado". Entende um pouco agora?

Manu disse...

Flávia,

Sim, eu sei disso, mas daí, menosprezar uma "revolta popular" à "movimento dos sem-iPad", acho um tanto exagerado e simplista. Muitos se aproveitaram da situação como vimos na mídia, mas, não foram apenas meia dúzia de jovens que saíram nas ruas simplesmente pra fazer baderna.

Esta reportagem desmonta a ideia de ser um simples movimentos de adolescentes desordeiros encapuzados.

Acho válido o texto do Pondé para gerar discussão.

E se a realeza tem tantos privilégios, porque o povo tem de viver na miséria? Trabalhar, pagar os impostos para manter salários exorbitantes da família real? - Se sempre foi assim ou não, é apenas uma questão também pra reflexão.

Também este texto - Londres, 2011: Os saqueadores do dia contra os saqueadores da noite - mostra uma outra perspectiva sobre os saques em Londres.

"... se o Estado rouba os cidadãos, tirando deles o pouco que ainda têm, pensando em proteger os interesses dos que acumulam muito mais do que qualquer ser humano precisa para viver, é claro que deve esperar o troco ..."

flávia disse...

Sim, acho que não deve haver apenas uma opinião sobre o assunto. Mas daí a afirmar que saquear lojas de eletrônicos como forma de manifestação é algo válido e lícito, já é demais. É claro que tem pobreza e que esta deve ser combatida. Mas o que está em jogo aqui não é tirar dos pobres para dar à família real. A situação é outra! Londres vive no caos da onda de imigração ilegal e do welfare state. Com a chegada deste primeiro-ministro a coisa começou a mudar...

Manu disse...

Vamos ver no que dá. Não acho que seja legal destruir a cidade, saquear lojas pra dar vazão à sua revolta ... mas ...

flávia disse...

Isso ai.