segunda-feira, 2 de março de 2015

Raça, gênero, classe - Pondé


Existem alguns livros que são urgentes. Hoje vou falar de um deles, principalmente para quem atua na área que os americanos chamam de "humanities" --humanidades. Ou, como dizemos aqui, ciências humanas e literatura.

Fiquei boa parte dos anos 1990 em Paris, pesquisando para o doutorado. Nessa época, fiz muitas entrevistas com intelectuais importantes do cenário europeu.

Um deles, Alain Finkielkraut, falava do que ele chamava de "culto da vítima", ou seja, a tendência cultural que surgia então de cultuar vítimas sociais. Se você conseguisse uma "carteirinha de vítima social", sua vida estava em parte resolvida. E escrever sobre essas "vítimas" era garantia de sucesso acadêmico.

Mas voltando ao livro. "The Victims' Revolution, the Rise of Identity Studies and the Closing of the Liberal Mind" (a revolução das vítimas, o surgimento dos estudos de identidade e o fechamento da mente liberal, em tradução livre), de Bruce Bawer, publicado pela Broadside Books em 2012, é um livro urgente para as humanidades.

Vale salientar que o "liberal" do título é o liberal no sentido americano, ou seja, algo como "progressista" ou "esquerda".

Uma das grandes qualidades desta obra, inédita no Brasil, é a de diagnosticar uma coisa que todo mundo sabe, mas tem medo de dizer: as humanidades agonizam sob a bota do que ele chama de "estudos disso e daquilo" e que, basicamente, se referem a estudos de algum tipo de vítima social.

Você não sabe o que é uma vítima social? Pergunte a algum filósofo, sociólogo ou historiador e ele lhe fará uma lista. Se os olhos dele encherem de lágrimas é porque se trata de um "crente". Shakespeare, um gênio? Nada! Um opressor branco e heterossexual. Dostoiévski? Pior, porque além disso tudo era um cristão convicto. E por aí vai.

Não, não vou dar o gostinho aos inteligentinhos e continuar a lista de "malvados" para a "revolução das vítimas". Comprem o livro. Ou editores que não temem a patrulha fascista na academia e no mundo da cultura como um todo publiquem-no para que professores e alunos corajosos tenham acesso ao título em nossa língua.

Uma diferença básica entre o estudo clássico das ciências humanas e o tatibitate dos estudos de identidade, ou "masturbação ao redor das vítimas", é que nos estudos clássicos você lê Tolstói para aprender quem somos e como lidar com essa nossa humanidade atormentada.

No caso do tatibitate do "estudo das vítimas", o estudo visa apenas converter os alunos aos estudos de "raça, gênero e classe". Não importa o autor --se não for alguém da patota ou alguma "vítima", pau nele.

A paisagem repetitiva e pobre revela a falta de vocação para lidar com as complexidades e ambiguidades da condição humana. Basta gritar coisas como "opressão", "injustiça social", "capitalismo", e você passou na matéria ou defendeu seu doutorado com louvor.

Bawer faz referência a um dos livros que estaria na origem da formação dos professores que hoje torturam os alunos para que eles se façam crentes desse tatibitate.

Um dos livros seminais desses estudos é "Pedagogy of the Oppressed". Reconheceu a tradução? Sim, é claro! O famoso "Pedagogia do Oprimido", de Paulo Freire, obra essencial para a patrulha ideológica nas universidades americanas.

Incrível porque Freire, que se via como um "libertador", é o mesmo que na época louvava o assassino Mao Tse-Tung e sua revolução cultural como similar ao seu "projeto pedagógico", além, é claro, do grande assassino Che Guevara, também um guru da liberdade. Risadas?

Com linguagem "evangélica", termo de Bawer, Freire diz frases de efeito como "Nenhuma educação é neutra". Uau!

Mas o mais ridículo da história dessa pedagogia barata é que os regimes adorados por Freire, o chinês e o cubano, nunca utilizaram esse tatibitate. Pelo contrário, pegaram seus melhores alunos e os encheram de conteúdo "do opressor", a fim de produzirem uma boa educação.

Só pedagogos e a moçada das humanidades no Ocidente riquinho é que compraram essa bobagem. Resultado: as ciências humanas, em grande parte, viraram um lixo. Umas igrejinhas.

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