quarta-feira, 18 de junho de 2014

Uma doença sem cura - J.P. Coutinho


Números aterradores no "The Wall Street Journal": nos primeiros três meses de 2014, o governo francês registrou 170 atos de violência antissemita no país. É muito?

Digamos apenas isso: com 650 mil judeus na França, os crimes racistas contra judeus constituem 50% de todos os ataques racistas. Repito: 50%. Como explicar essa cifra?

Sim, o ódio e a destruição de grupos islamitas que operam na Europa não favorecem o ecumenismo. Recentemente, na Bélgica, um jiadista matou quatro judeus no Museu Judaico de Bruxelas.

E, claro, a emergência da Frente Nacional, com a sua vetusta tradição de antissemitismo patriótico, não permite imaginar um futuro risonho para os judeus gauleses.

Mas a minha pergunta vai mais longe: como explicar a sobrevivência do antissemitismo na Europa quando todos sabemos que a Europa ofereceu ao mundo o capítulo antissemita mais grotesco de toda a história da humanidade?

Os débeis dirão que a culpa é de Israel. Se, por hipótese, Israel não existisse, não existiria antissemitismo. No limite, o antissemitismo seria uma curiosidade histórica, própria de Hitlers, Stálins ou de outras personagens sinistras.

Não pretendo perder muito tempo com os débeis. Até porque eles desconhecem a própria história do antissemitismo -que é anterior a Israel; anterior a Hitler; anterior à União Soviética; anterior às perseguições czaristas do século 19; anterior às perseguições na Península Ibérica nos séculos 15 e 16. A história do antissemitismo é, no essencial, a história da nossa civilização.

Foi Paul Johnson, curiosamente um historiador cristão, quem explicou esse fato com um simplicidade glacial.

Em ensaio antigo para a revista "Commentary" ("The Anti-Semitic Disease", 6/1/2005), Johnson definiu o antissemitismo exatamente como ele merece ser apresentado: como uma doença da mente, altamente infecciosa e destrutiva, que pode atacar indivíduos ou sociedades aparentemente "saudáveis".

E essa doença está documentada ao longo dos tempos e sempre com os mesmos sintomas paranoicos (e paradoxais).

Como escreve Paul Johnson, os judeus são apresentados como demasiado exibicionistas —ou demasiado reservados. Eles recusam assimilar-se —ou, então, assimilam-se bem demais. São excessivamente religiosos —ou excessivamente materialistas. Evitam o trabalho duro —ou trabalham mais do que os outros. São os agentes do capitalismo —ou os agentes do comunismo. São gente desconfiada —ou gente falsamente prestável. A lista não tem fim.

Mas se os sintomas são os mesmos —uma desconfiança alucinada que devora o cérebro do antissemita como um câncer intelectual —o antissemitismo foi ganhando diferentes vestimentas no tempo e no espaço.

Começou por ser um antissemitismo religioso (o judeu como assassino de Cristo) que banhou de sangue as páginas negras da Idade Média europeia.

Depois passou para um antissemitismo nacionalista (o judeu como traidor da pátria), acusação que teve o seu momento infame no julgamento de Alfred Dreyfus, o oficial francês (e judeu) acusado e condenado, injustamente, de passar informações militares secretas à Alemanha.

Ironicamente, foi a Alemanha que continuou a tocha olímpica do antissemitismo, exterminando 6 milhões com uma ferocidade nunca vista.

E a doença continua hoje, nas livrarias do Oriente Médio, onde os "Protocolos dos Sábios do Sião" (o documento forjado pela polícia czarista para justificar os "pogroms" antissemitas de finais do século 19) continuam a ser vendidos com sucesso. O que não admira: os "Protocolos" pretendem "provar" a conspiração judaica para dominar o mundo. Haverá coisa mais deliciosa para a cabeça doente de um antissemita?

Com as eleições europeias, a extrema-direita voltou a mostrar as suas garras. E o antissemitismo islamita, pelos vistos, gosta de mostrá-las com uma regularidade assombrosa.

Mas esses dois fenômenos são parte de um problema maior: os séculos passam, os cadáveres amontoam-se, o mundo jura que aprendeu a lição. Mas a doença antissemita continua latente. E sem perspectiva de cura.

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