Uma amiga alemã visitou a Grécia nesta Páscoa. Por pouco não foi linchada. Aconteceu em Atenas, no bairro turístico de Plaka: quando os nativos souberam que ela era de Munique, começaram as piadas de mau gosto sobre o "Terceiro Reich".
Ela respondeu com humor. Os nativos não gostaram do humor e rapidamente passaram aos insultos. Pesados. Só não chegaram a vias de fato porque ela optou sensatamente por fugir dali.
Ao telefone, quando me contou as suas aventuras helênicas, ainda perguntou, meio a sério, meio a brincar: "Você acha que é seguro viajar para Lisboa?".
Entendo a pergunta. Os países do sul da Europa estão a comer o pão que o diabo amassou. E é fácil encontrar nos países do norte, sobretudo na Alemanha, os responsáveis supremos por esta crise recessiva sem fim.
Injusto. Ou, pelo menos, parcialmente injusto.
Primeiro fato: a crise do sul da Europa é a crise do endividamento irresponsável dos países do sul da Europa. Com o euro, e as taxas de juros ridiculamente baixas que só o euro poderia oferecer, governos, empresas e famílias passaram a gastar como se não houvesse amanhã.
Mas o amanhã chegou com a crise financeira de 2008, o que agravou a conta. Foi o colapso das economias "periféricas". E, com o colapso, a pergunta de US$ 1 milhão: como corrigir as contas públicas quando esses países do euro não dispõem mais de soberania monetária ou política cambial?
A resposta veio do norte, com "políticas de austeridade" assentes em brutais aumentos de impostos e corte abrupto de rendimento disponível. Uma combinação letal que produziu desemprego maciço, queda da procura, recessão econômica --e um agravamento dos exatos desequilíbrios orçamentais que se procuravam corrigir de início.
A juntar a essa nefasta terapia, os países excedentários do norte têm aplicado em casa o mesmo tipo de ajustamento que recomendam aos outros. É a repetição dos velhos erros da década de 1930: quando todos apertam o garrote, todos morrem de asfixia.
Eis o impasse. Porque a Europa vive hoje um grave impasse. E uma das melhores reflexões sobre essa agônica condição foi escrita pelo ilustre sociólogo Ulrich Beck, sintomaticamente um alemão.
Intitula-se "German Europe" (Europa germânica, Polity, 98 págs.). Recomendo a qualquer interessado na matéria.
Não, Ulrich Beck não alinha pela cartilha conspirativa de quem atribui à Alemanha o perverso plano de estabelecer um "Quarto Reich" na Europa. Beck é um pouco mais sofisticado do que os gregos que insultaram a minha amiga.
Para começar, o autor relembra que a Alemanha aceitou com extrema relutância trocar o seu amado marco pelo novo euro.
Foi François Mitterrand, com típica insensatez, quem obrigou Berlim a aceitar a troca: se a Alemanha aderisse ao euro, a França toleraria a reunificação do país depois da queda do Muro de Berlim. Mitterrand esperava que, amarrando a Alemanha ao euro, isso seria uma limitação do poder político e econômico germânico.
Mitterrand enganou-se. Barbaramente. O euro não tornou a Alemanha mais "europeia". Apenas tornou a Europa mais "alemã". As "políticas de austeridade", defendidas hoje para o sul e igualmente praticadas pelo norte (uma espécie de "pacto suicidário" que desafia a racionalidade), são apenas a expressão mais tangível desse grotesco equívoco.
Um equívoco que Angela Merkel continua a alimentar para ganhar eleições gerais em 2013, mesmo que o preço a pagar seja insuportavelmente alto. Que preço?
Economicamente, estamos conversados: a Europa é hoje um charco estagnado. E, de Madri a Atenas, metade da população jovem não encontra trabalho. Uma "geração perdida", para usar o termo bélico clássico.
Mas o preço será também político: cavar no continente os ódios e os ressentimentos do passado não pode dar bons resultados.
Ao defender uma Europa "germânica", Angela Merkel não está apenas equivocada.
Ela pode destruir o longo esforço de reconciliação com a Europa que a Alemanha demorou meio século a construir no pós-guerra.
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