quarta-feira, 29 de agosto de 2012
ELAS GOSTAM DE APANHAR - Pondé
“Elas gostam de apanhar.” Esta é uma das máximas mais famosas de Nelson Rodrigues, nascido no dia 23 de agosto de 1912 no Recife. Esta afirmação ainda choca muita gente. “Reacionário!”, “machista!”, gritam os inteligentinhos que nada entendem da “vida como ela é”.
É comum se dizer que Nelson está assimilado ao cenário cultural, mas não é verdade. A prova é que livros best-sellers como “Fifty Shades of Grey” (Cinquenta Tons de Cinza), de E. L. James, ainda causam ira por parte dos setores “progressistas” (a esquerda festiva da qual tanto falava Nelson), apesar de as mulheres “normais”, que segundo Nelson são as que gostam de apanhar, estarem devorando o livro com imenso prazer.
No livro de James, Anastasia Steele, universitária, se apaixona pelo poderoso Christian Grey, de quem se torna amante, perdida nas delícias de uma relação “sadomasô light” a qual ela se deixa submeter. E gozará maravilhosamente na submissão. No primeiro momento em que ela o encontra, tropeça e cai, anunciando o domínio que Christian terá sobre ela. Na linguagem feminina comum, “Ele tem pegada!”. E o afeto feminino responde à “pegada”.
Não se trata de dizer que Nelson está estimulando surras, mas sim que o desejo feminino passa pelo gozo da submissão ao macho desejado, dentro do jogo da sedução e do sexo. O “elas gostam de apanhar” no Nelson também fala do enlouquecer o homem, como no caso de adultério, e esperar dele uma bofetada acompanhada de “sua vagabunda”, revelando o quanto ele ama esta mulher que o traiu. A psicologia rodriguiana parte da sua máxima “a vida é sempre amor e morte”.
“A prostituta é vocação e não a profissão mais antiga.” Há uma relação íntima entre sexualidade feminina e a figura da prostituta como eterna promiscuidade temida. A mulher que nunca encenou “sua” prostituta no sexo, nunca fez sexo.
“Dinheiro compra até amor verdadeiro.” Imaginemos duas situações hipotéticas.
Hipótese 1: Alguém convida você para um longo fim de semana na costa amalfitana na Itália. Executiva, hotel charmoso, longas caminhadas por ruas quietas e antigas, sem pressa, vinho (não “bom vinho” porque isso é papo de pobre querendo parecer rico, do tipo que os jovens chamam de “wanna be”, gente que queria ser chique, mas não é).
Hipótese 2: Alguém te convida para um fim de semana longo na Praia Grande, você pega oito horas de Imigrantes, trânsito infernal, o carro ferve, você fica na estrada esperando o socorro da Ecovias. Chega lá, apartamento apertado, cheiro de churrasco na laje por toda parte. Crianças dos outros gritando em seu ouvido.
Onde você acha que o amor verdadeiro nascerá? Se responder “hipótese 2″, é mentiroso ou não sabe nada acerca dos seres humanos, vive num aquário vendo televisão e se olhando no espelho.
Antes de alguém dizer obviedades entediantes como “preconceito” (agora quando alguém fala para mim “preconceito”, não levo mais essa pessoa a sério) ou “depende de qual contexto a pessoa nasce”, esclareço: é fácil migrar da Praia Grande para a costa amalfitana, mas não o contrário. E quanto ao “preconceito”: não se trata de preconceito, se trata do tipo de verdade que todo mundo sabe mas é duro reconhecer. Sim, o amor verdadeiro está à venda e enquanto você não entender isso você permanece um idiota moral.
O reconhecimento deste fato torna você adulto, não torna você “melhor”. E ser adulto é saber que o mundo não é um lugar “bom”. Começando por você e eu.
Sábato Magaldi chamava o Nelson de “jansenista brasileiro”. Jansenistas eram escritores franceses do século 17 que partilhavam uma visão de natureza humana na qual somos vítimas de desejos incontroláveis (ou pecado, na linguagem da época) e que por isso não conseguimos escapar dessa armadilha que é interior e não “social”. A raiz deste pensamento é a concepção de ser humano de Santo Agostinho que eles herdaram. Pascal, Racine e La Fontaine foram jansenistas.
Eu acrescentaria que Nelson era um moralista. Moralista em filosofia é um especialista na alma humana. Proponho que ensinem mais Nelson na escola e menos Foucault.
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