Meus leitores sabem o quanto abomino aeroportos. Criei mesmo a expressão "churrasco na laje" para descrever essa sensação de que somos atropelados por uma mistura de música brega e pessoas mal-educadas.
Não se trata de preconceito (no sentido banal que a palavra ganhou depois de virar chiclete com banana na boca de todo mundo) porque não acho que as pessoas não sabem se comportar nos aeroportos porque são de classe social ou cor específicas. Trata-se apenas de falta de educação.
Voltando de um compromisso profissional fora de São Paulo, me encontrei num aeroporto de uma cidade em que as pessoas ainda têm o hábito de ir aos domingos assistir avião subir e descer. O aeroporto em questão tem mesmo um espaço dedicado a "vista panorâmica" da pista de pouso e decolagem. Que horror.
Só pessoas loucas viajam por vontade própria. As normais o fazem por obrigação. Penso mesmo que em alguns anos aeroportos serão os piores lugares para você ser visto, assim como ser visto algemado numa delegacia de polícia. Uma vergonha.
Proponho que as autoridades (vamos "evoluir" nesta direção) proíbam todos, salvo os passageiros, de entrarem no aeroporto. O mesmo tipo de atitude solene e silenciosa dos hospitais deveria ser cobrada nos aeroportos.
Estava eu, então, estoicamente suportando os berros das crianças que lá estavam vendo os aviões, com seus pais que nunca entendem que berros de crianças são apenas berros de crianças e não manifestações sagradas de seus pequenos deuses.
Em meio a isso, bárbaros batendo fotos de si mesmos na frente dos portões de embarque com suas dez malas e funcionárias das empresas aéreas descabeladas justificando o injustificável overbooking.
De repente paro em frente a um balcão desses cafés, sem saber exatamente o que fazer, já que teria que esperar naquele pequeno pedaço de inferno por duas horas. Então, uma jovem garçonete sorriu pra mim. Com seu uniforme amassado, seu rosto cansado, seu corpo pequeno, ela parecia um anjo caído do céu no corpo de uma pequena e pobre princesa africana.
O mundo parou. Seu sorriso e sua generosidade suspenderam o mecanismo infernal do lugar.
Ela me pergunta o que eu quero. Não respondo porque não sabia se queria alguma coisa. Ela então me puxa pela mão e me mostra uma mesa vazia, sem cadeiras, num canto minimamente longe do inferno. Põe-se a limpar a mesa, busca uma cadeira e me dá um cardápio na mão. Volta alguns segundos depois e anota meu pedido.
Nos minutos que se seguem, enquanto tomo um café, acompanho seus movimentos delicados e ágeis, ouvindo, anotando pedidos, limpando mesas. De vez em quando se volta para mim, e repete seu sorriso aberto e generoso. O contraste da cor da sua pele com a cor dos seus dentes produzia uma beleza peculiar. De onde vem tamanha doçura?
Meu Deus, quanta doçura num pequeno corpo como aquele que corre de um lado para o outro, servindo tanta gente, como eu, sem doçura alguma.
Deve ter sido sensações como essas que levou Joaquim Nabuco, o grande pensador conservador brasileiro, a ver o horror que era a escravidão, e lançar a campanha abolicionista. Ainda que no famoso caso dificilmente Joaquim Nabuco estivesse contemplando um sorriso.
Como ele, sou pernambucano. Venho de uma terra onde as diferenças sociais são vistas como marcas da natureza, como montanhas, vales e pragas. Não sou dado a arroubos políticos, sou um niilista e cético. Sou versado em dialética materialista, psicanálise, mercantilização da vida e nos sete pecados capitais. Não tenho esperança alguma.
Por isso mesmo, sempre que percebo a generosidade no mundo, fico paralisado. O mundo cai no silêncio como se ali estivesse Deus em pessoa, cobrindo a precariedade humana com sua misericórdia.
Quando o espírito humano se ergue, o corpo cai de joelhos, dizia o saudoso Otto Maria Carpeaux citando algum luminar alemão.
Antes de eu embarcar, ela me disse: "Deus te abençoe".
Fosse eu um Dostoiévski, diria que fui visitado por uma "idiota de Deus", aquele tipo que ele tinha em mente quando disse que a beleza salvaria o mundo.
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