VERÃO AFINAL. Muito calor. Fui a um desses eventos chatos, com os quais a classe média sonha. Tédio puro. Gente deslumbrada, buscando “eye contact”. Quando entrar num lugar desses, não olhe pra ninguém. Olhe para infinito.
O problema é que esse olhar tem um efeito colateral nefasto: ninguém resiste a alguém que não olha para ninguém. Mais gente chata irá atrás de você mostrando seus monótonos talentos.
Vestido preto básico, leve e curto, sandálias altas. Vi de longe, mas reconheci Andréia. Teria voltado pra ficar? Pelo que me disseram naquela noite, sim. Mulher intrigante ela, sempre achei.
Aquele tipo de mulher que sabe que a distância entre vício e virtude é apenas o número de taças de vinho, por isso bebia pouco se queria ser capaz de dizer “não”. Sempre muito falada pelos outros, era vítima de dois tipos de ódio. Mulher bonita e inteligente, ela cometia dois pecados ao mesmo tempo.
Para os homens comuns, sua inteligência era uma ofensa; para as mulheres comuns, sua beleza era um descalabro provando a injustiça cósmica: poucas têm muito e muitas têm pouco.
Passional por natureza, Andréia, aprendera a dura lição que é controlar seu desejo e seu sexo. Carregando aquele não sei o quê de talvez promíscuo que desequilibra os homens inseguros (porque falsamente éticos), nossa heroína passara, nos últimos tempos, a falar pouco e a ter gestos curtos, como se a garantia de virtude numa mulher fosse função apenas do silêncio e do pouco movimento das pernas e dos cabelos.
Lera algum filósofo neoestóico e chegara à conclusão de que a virtude da alma é apenas resultado de certos movimentos repetidos do corpo.
Inteligente, ela era uma dessas mulheres que sabia a bobagem que é dizer que tudo que as mulheres querem num homem é dinheiro. Quando uma mulher é inteligente, ao contrário do que pensam os idiotas, ela quer muito mais do que simples dinheiro porque dinheiro é barato.
Voltando depois de uns anos na Europa, ela havia feito, segundo dizem, um mestrado sobre o cinema de Lars Von Trier. Publicitária de formação, decidiu, no seu retorno ao Brasil, trabalhar numa produtora de cinema, uma dessas grandes, aparentemente alemã, cuja sede era em Berlin.
Chegando para seu primeiro dia de trabalho, eis que Andréia teve que tolerar seu primeiro assédio moral de uma série que seria obrigada a tolerar nos próximos meses, segundo me disseram naquele evento chato no qual a reencontrei.
Topou logo de cara com um dos diretores da produtora que tentou seduzi-la para um documentário que supostamente ele faria sobre populações carentes na periferia de São Paulo (“Que tédio!”, ela pensou, “que assunto monótono!”).
Ele devia ser uma dessas almas pequenas, uma dessas pequenas autoridades amantes de seu minúsculo poder.
Sabendo que Andréia deveria trabalhar não sei ao certo com quem, que ele odiava, mas a quem ela adorava de paixão, nosso cineasta medíocre, diante da recusa dela, passou à agressão de seu colega famoso.
Ela fingiu ouvir com atenção, mas pensava em outra coisa enquanto ele destilava sua inveja.
Maldição eterna das mulheres bonitas, elas costumeiramente têm que aturar, além da inveja das feias, a inveja dos homens fracos, porque não as tem.
Pensando bem, pelo que me disseram desse sujeito, sua postura era um tanto a de um cidadão atarefado e sem muita imaginação.
Vale a pena lembrar que nosso diretor de documentários “sociais” era alguém que um dia sonhara ser um grande cineasta, mas que, ao final (por absoluta falta de talento e uma certa preguiça intelectual típica da maioria das pessoas do mundo da cultura), acabara por se ocupar com a rotina de papéis e carimbos na produtora. Seu dia a dia era envenenado por aquele tipo de inveja típica das almas incapazes.
Não falei com ela. Vi que estava um tanto aborrecida. O tal cineasta medíocre a seguia com os olhos. A beleza pode ser mesmo um azar.
Por isso, provavelmente, ela de repente sumiu, “voando” numa BMW preta. Perdi-me nos delírios do quanto ela ficaria molhada de suor, numa noite quente como aquela.
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