Perdi alguns amigos nos últimos dias. Que triste. Por quê? Porque no dia 11/10, nesta coluna (“Vai encarar?”), disse que sou contra o aborto, e isso é imperdoável no mundo “inteligentinho”. Mas aumentei a dose de antidepressivo e acordei melhor hoje.
Valeu a pena, muita gente “me encarou”, e isso é o objetivo do colunista, não? Mas muita calma nessa hora. Nada é tão evidente assim. Muita gente acha que não é essa a função do colunista (e isso é típico da sensibilidade de classe média que domina o debate público nos últimos anos): queremos fazer e pensar o que fazemos e pensamos, mas exigimos que os outros pensem que somos “bonitinhos” em tudo o que fazemos e pensamos. A sensibilidade de classe média infantiliza o mundo.
Na realidade, hoje em dia quase todo mundo quer agradar a todo mundo. Uma praga infantil.
As crianças assim o são por “trauma” diante da própria fragilidade, como nos diz a grande escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís em seu ensaio “Contemplação Carinhosa da Angústia“. Mas um adulto o é por mera covardia e desejo de ser desejado.
Também vivo em pânico, com medo de que minha mulher me abandone e de que me achem feio. Somos miseráveis afetivos mesmo, fazer o quê…
Mas, existe luz no final do túnel. Recentemente foi lançado no Brasil, pela editora gaúcha Arquipélago, um livro fabuloso para quem, como eu, cultiva o pensamento sem medo: “Aforismos“, do jornalista iconoclasta austríaco Karl Kraus (1874-1936). Iconoclasta é alguém que tem por hábito quebrar o coro dos contentes.
Por exemplo, hoje em dia, chorar por foquinhas fofinhas, ter medo das feministas, falar que somos a pior espécie do planeta e sonhar com um mundo dominado por golfinhos ou “povos da floresta” são crenças do coro dos contentes.
Eu acho o contrário: se o mundo tivesse ficado na mão dos “povos da floresta”, estaríamos na idade da pedra e adorando árvores. Os portugueses “nos libertaram” das trevas.
Outro exemplo de crenças infantis é “um mundo sem guerras é possível”. Essa então é de doer. Lembro-me, na minha infância, de ouvir isso no concurso de Miss Universo: “World peace” era o sonho de todas elas. Não diziam coisas muito inteligentes, mas eram bonitas e isso, para nós, homens, muitas vezes basta.
Claro que ninguém normal gosta de guerra. Mas, “gosto” nada tem a ver com isso. E também não é uma mera questão de interesses econômicos e políticos do tipo paranoia foucaultiana: “Oh! O sistema! O sistema é malvado e nos controla!”. Guerras existem porque simplesmente existem razões para se odiar.
Isso é feio, mas é assim mesmo. Às vezes, não adianta “sentar e conversar”. O mundo não é o que Obama pensa que seja, quando sentado em seu gabinete chique sonha com seu mundinho cor de rosa onde todos cabem como bonequinhas cor de rosa. Às vezes, e muitas vezes, infelizmente, somos obrigados a ir à guerra e matar e sermos mortos e nada vai mudar isso.
A grande mentira dos “cor de rosa” é que, por debaixo do “amor a paz” que pregam, o que existe é a afirmação de que só o que eles odeiam é que é justo. A guerra deve ser evitada justamente porque existem razões racionais (redundância proposital) para fazermos guerras. Para algumas pessoas, em determinadas situações, o ódio é único afeto “justo”.
Por exemplo, muitos fundamentalistas islâmicos nos odeiam (nós, ocidentais) porque somos o que somos: acreditamos na democracia (para eles, um regime de “mulherzinha”), adoramos dinheiro (apesar de mentirmos sobre isso), praticamos sexo como descarga fisiológica de prazer, como gatos no telhado, enfim, porque achamos o “mundo deles” o fim da picada e o nosso mundo, legal.
Comece sua semana com duas pérolas do Karl Kraus: “Isso e, apenas isso, é o conteúdo de nossa cultura: a rapidez com que a imbecilidade nos arrasta em seu turbilhão“.
E mais uma: “Nada é mais tacanho do que o chauvinismo ou o ódio racial. Para mim, todos os seres humanos são iguais; há idiotas em toda parte e tenho o mesmo desprezo por todos. Nada de preconceitos mesquinhos!”
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