sábado, 31 de dezembro de 2011
Gênio do humor e do suspense
The Birds.
Inacreditável como pode ser ao mesmo tempo terrível e cômico.
Coisas de gênio.
I love you, Hitch.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Filmes
Henry & June
Philip Kaufman
1990
Lindíssima e delicada interpretação de Maria de Medeiros para a escritora Anaïs Nin. Uma Thurman - jovem e linda - também se destaca no papel da gloriosa June Miller. E o triângulo amoroso se fecha com Henry Miller, interpretado por Fred Ward.
Em nome de Deus
Stealing Heaven
1988
Clive Donner
Bela e trágica história verídica do romance de Abelardo e Heloísa, vivida em meados do século XII.
Ele, filósofo e tutor; ela, jovem e aprendiz. A típica - mas nem por isso ordinária - história de amor medieval termina em tragédia quando o tio de Heloísa descobre o romance e manda castrar Abelardo. A essa altura, o casal já havia tido um filho (Astrolábio - "que mede a distância das estrelas e do paraíso") e casado em segredo. Abelardo então decide virar monge e Heloísa se torna freira.
Pena que o filme não conseguiu apreender toda a beleza, angústia e delicadeza que a história merecia, beirando, inclusive, ao mau gosto (típico dos filmes dos anos 80).
Abelardo e Heloísa estão enterrados no mesmo túmulo, um dos mais visitados do cemitério Pére Lachaise, em Paris.
Fujo para longe de ti,
evitando-te como a um inimigo,
mas incessantemente
te procuro em meu pensamento.
Trago tua imagem em minha memória
e assim me traio e contradigo,
eu te odeio, eu te amo."
Carta de Abelardo a Heloísa.
"É certo que quanto maior é a
causa da dor, maior se faz
a necessidade de para ela
encontrar consolo, e este
ninguém pode me dar, além de ti.
Tu és a causa de minha pena,
e só tu podes me proporcionar conforto.
Só tu tens o poder de me entristecer,
de me fazer feliz ou trazer consolo."
Carta de Heloísa a Abelardo
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
SAUDADES DE DEUS - Pondé
Tem coisa mais monótona do que discutir sobre a existência ou não de Deus? Ninguém crê em Deus "por razões lógicas". Isso é papo furado. Ninguém "decide" ter fé.
Tentar provar que Deus existe porque ele seria "uma necessidade da razão" me parece um engodo.
Primeiro porque a razão é risível em suas necessidades, como diria o cético Michel de Montaigne (século 16). A pergunta pela origem de tudo que existe (como numa espécie de aristotelismo aguado) não prova nada. Temos inúmeras necessidades que não são autoevidentes -por exemplo, que o bem deva vencer ao final das coisas.
Muitas vezes o mal vence e pronto. Quase sempre. Por outro lado, é interessante se pensar de onde veio a matéria que explodiu um dia e o lugar onde ela explodiu.
Mas isso nada prova acerca do Deus ocidental. O princípio pode ser uma mecânica estúpida.
Aliás, o chamado "argument from evil" (argumento a partir do mal) do ateísmo é famoso. Autores grandes como Dostoiévski e Kafka, entre outros, já o frequentaram de forma brilhante.
O argumento basicamente é o seguinte: se Deus é bom, por que o mundo é mau? Alguns já chegaram a supor que Deus seria mesmo mau, como o próprio Kafka.
Duas questões são importantes apontar nesse debate, uma com relação aos crentes, outra aos ateus.
Primeiro os crentes. Uma falácia comum por parte dos crentes é supor que seria impossível você ser uma pessoa razoavelmente moral sem alguma forma de religião. A história prova que ateus e crentes dividem o mesmo lote de miséria moral. Pouco importa ser ou não crente.
Pessoalmente, acho que o acaso decide: o temperamento (o acaso de você ter nascido "assim ou assado") é quase sempre o juiz do comportamento humano e não "valores" religiosos ou éticos seculares (não religiosos).
Portanto, a tentativa de afirmar que, se você é ateu você necessariamente não é "bom", é pura falácia. Tampouco penso que uma religião faça falta para todas as pessoas. Muita gente vive sem crise sem acreditar em coisa nenhuma "do outro mundo". Isso não significa que ela seja sempre feliz (tampouco os religiosos o são), a (in)felicidade depende de inúmeros fatores.
E mais: "crer ou não crer" não é algo que você escolhe, "acontece". Grandes teólogos como Santo Agostinho, Lutero e Calvino diziam que a "fé é uma graça" (simplificando a coisa), alguns receberam o dom e outros não (portanto, ela "acontece", como eu dizia acima, não é você quem escolhe ter ou não). Acho essa ideia bem mais elegante do que esse papo furado acerca das necessidades racionais, sociais, morais ou psíquicas da crença.
Quanto aos ateus, acho risível a ideia de que o ateísmo seja uma "conquista" da razão ou de alguma forma de rigor moral ou "coragem cosmológica".
Nada disso, como já disse antes, e repito, até golfinhos conseguem ser ateus em sua maravilhosa vida aquática. Fiquei ateu quando tinha oito anos.
O ateísmo me parece, entre todas as hipóteses sobre o universo, a mais fácil, simples, rápida e quase "fast food theory" (teoria fast food).
Não precisamos nos esforçar muito para perceber que podemos talvez um dia descobrir a causa "natural" do universo, ou acabarmos como espécie antes de descobrir qualquer coisa. E "who cares" se sumirmos um dia?
E mais: é quase evidente que somos uma raça abandonada na face da Terra e a indiferença dos elementos naturais para conosco (sejam eles externos ou internos ao nosso corpo) salta aos olhos.
E mais: a possibilidade de estarmos sozinhos é sempre mais fácil do que acompanhados por um ser maravilhoso, dono do universo e que sabe cada fio do cabelo que você tem na cabeça.
Não há nenhuma evidencia definitiva de que Deus ou que qualquer outra entidade divina exista. O ônus da prova é de quem crê. Além do fato de que os japoneses, caras bem inteligentes, não creem em Jesus na maioria das vezes.
Acho Deus uma hipótese acerca da origem das coisas mais elegante do que a dos golfinhos. Mas, por outro lado, a ideia de que um dia o pó tomou consciência de si mesmo e constatou sua dolorosa solidão cósmica é bela como uma ópera.
Texto maravilhoso!
Colocou em palavras aquilo que nem sempre os sentimentos dão conta de expressar.
domingo, 25 de dezembro de 2011
Contra a Lei da Sacola
Agora é oficial: a Lei da Sacola está formalmente suspensa em São Paulo.
A sandice do ecologicamente-politicamente correto está fadada ao insucesso.
Ótima notícia para começar 2012.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
No heart
Quem não é socialista antes dos 30 não tem coração. Quem é socialista depois dos 30 não tem cabeça.
Churchill
Perdi meu coração aos 20 anos.
Churchill
Perdi meu coração aos 20 anos.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
O horror, o horror
Há algum tempo não me deparava com um filme tão absurdamente ruim: Little Ashes - Poucas Cinzas, traz a história até então pouco conhecida do romance dos jovens Salvador Dali e Federico Garcia Lorca.
Mas a história vai parar por aqui, pois não vale a pena ser contada. Não da maneira que este filme trouxe. Tudo é ruim: os atores - a começar pela angustiante escolha de Robert Pattinson para o papel de Dalí - a música, o enredo, enfim, praticamente nada se aproveita. O filme acaba por fazer ode à "homoafetividade" (termo politicamente correto para sexo gay) e despreza a genialidade de Luis Buñuel, retratado no filme como fascista e antirrevolucionário.
Totalmente dispensável.
Mas a história vai parar por aqui, pois não vale a pena ser contada. Não da maneira que este filme trouxe. Tudo é ruim: os atores - a começar pela angustiante escolha de Robert Pattinson para o papel de Dalí - a música, o enredo, enfim, praticamente nada se aproveita. O filme acaba por fazer ode à "homoafetividade" (termo politicamente correto para sexo gay) e despreza a genialidade de Luis Buñuel, retratado no filme como fascista e antirrevolucionário.
Totalmente dispensável.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
NATAL - Pondé
Ela encolhia as pernas enquanto respirava mal. Ouvia ruídos do lado de fora. Correra por muito tempo. A barriga, que crescia a cada dia, pesava e náuseas tomavam conta de sua recém-nascida alma.
Quase nua, tentava esconder sua barriga enorme com as mãos porque, de alguma forma, sabia que sua barriga e o odor que exalava dentre suas pernas atraiam ainda mais predadores. Cada dia era um dia que ela roubava das mãos do mundo. Nossa pequena grávida era uma infeliz, mas era sábia: sabia que todos os animais queriam comê-la.
Lembrava que três homens a pegaram. Perdera-se do seu bando original e por isso caiu nas mãos de caçadores solitários. Não era tão feliz assim em seu bando, mas pelo menos tinha proteção em troca de abrir as pernas para alguns machos do bando de vez em quando.
Após dias de solidão em busca de alimento, a possibilidade de ter prazer com essa pequena menina (não era uma mulher plena, mas tinha um corpo que suportava dois homens ao mesmo tempo) parecia um presente dos "espíritos" para aqueles homens responsáveis pela sobrevivência de suas mulheres, velhos e crianças. Depois de um longo dia de "trabalho", penetrá-la era uma "bênção" e os acalmava.
Mantiveram a menina por alguns dias amarrada com as pernas abertas e de vez em quando a penetravam até o gozo. Tentaram por diversas vezes penetrar sua boca, mas ela resistia. Temiam seus dentes. Já por trás, foi mais fácil. Não queriam matá-la porque gostavam do movimento que ela fazia com as ancas e as pernas na tentativa inglória de se libertar. Lágrimas escorriam pelo seu rosto e eles as lambiam porque eram salgadas.
O choro dela os excitava. Com o tempo, ela se acalmou um pouco e comia pedaços de carne e bebia água enquanto eles se divertiam entre suas pernas. A fome era mais importante do que o desconforto da penetração violenta. Além do mais, eles a protegiam de alguma forma.
Um dia, eles foram embora e a deixaram ali amarrada com as pernas abertas. Depois de alguns dias, quase sentiu falta de seus agressores, afinal, eles lhe davam carne e água.
Tendo se soltado, nossa pequena heroína saiu da caverna onde se encontrava e se arriscou pelo espaço aberto. Passou muita fome e frio. Tentou se aproximar de alguns grupos de humanos semelhantes a ela, mas foi rechaçada, por mulheres como ela (crianças também chutaram sua cabeça quando ela caiu no chão depois de tanto apanhar).
As mulheres gritavam com ela e jogavam pedras em sua barriga. Uma pedra atingiu um dos seus olhos e o mundo ficou vermelho.
Disputou pedaços de animais mortos com outros bichos. Cortou mesmo alguns dos seus dedos com pedras e os comeu. Buscou avidamente algum grupo de homens semelhantes ao que estivera com ela, mas não teve sucesso. Apenas bandos, e as mulheres eram excepcionalmente cruéis com ela quando se aproximava.
Àquela altura, os dias em que permanecera amarrada com as pernas abertas lhe pareciam uma "bênção dos espíritos". Nossa heroína não gostava muito daquele velho feio que berrava em seu bando sobre "espíritos", mas tinha medo dele. E o medo era sempre o que contava em sua vida.
Num dado dia que chovia muito, barulhos (trovões) caiam do céu, começou a sentir dores insuportáveis. Sua enorme barriga ficava como que dura e aquilo dentro dela (que já se mexia há dias) parecia empurrar suas vísceras para fora.
Não conseguia mais andar. Arrastava-se, deixando um rastro de líquido viscoso em seu caminho.
Nossa pequena heroína já vira isso acontecer com mulheres como ela. Aliás, uma das coisas que aprendera é que o bando se dividia entre as que abriam as pernas e os que ficavam no meio das pernas das que abriam as pernas.
Nestas, depois de algum tempo cresciam barrigas como a que ela tinha agora. Elas gritavam de dor para por para fora pequenos seres que cresceriam e ficariam iguais a eles.
Ela acabou morrendo de dor. Alguns bichos comeram pedaços de seu corpo enquanto ainda estava viva. Milhares de anos depois, seus ossos e os ossos "daquilo" que estava dentro dela ainda esperam para ser encontrados.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
sábado, 17 de dezembro de 2011
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
MARKETING DO DESEJO - Pondé
"Mais importante do que o sucesso é passar uma imagem de sucesso."
Você pode ouvir uma frase como esta em qualquer palestra brega de
motivação em recursos humanos.
Já disse antes que acho palestras assim a coisa mais brega que existe. Mais brega do que isso só mesmo achar que o mundo melhorou porque existe o Facebook.
O "Face" é, neste sentido, um artefato paleontológico que prova que nada mudou.
Sempre se soube que não basta à mulher de Cesar ser honesta, ela tem que parecer honesta, portanto, a imagem de honesta é mais importante do que a honestidade em si. Mas aqui, o foco é diferente: aqui a questão é a hipocrisia como substância da moral pública. Todo mundo sabe que a mentira é a mola essencial do convívio civilizado.
No caso de frases como a citada no primeiro parágrafo, comum em palestras de motivação em recursos humanos, é que são oferecidas como "verdades construtivas de comportamento". E não como o que verdadeiramente são: estratégias para desgraçados e "losers" se sentirem melhor.
Ficamos covardes. Fosse esta geração de jovens europeus (que só sabe pedir direitos e iPads) que tivesse que enfrentar Hitler, ele teria ganhado a guerra.
Provavelmente esses estragados por décadas de "estado de bem-estar social" teriam dito "não à guerra em nome da paz". Grande parte do estrago que Hitler fez no início foi causada por gente que gostava de dizer que a paz sempre é possível. Gente medrosa mesmo.
Mas nossa época, como eu costumo dizer muitas vezes, é a época do marketing de comportamento. A "ciência da mentira dos losers". Dentro desta disciplina geral, existe o marketing do desejo, especializado em mentir para as pessoas dizendo que "sim, confie no seu desejo que tudo dará certo".
Mesmo alguns psicanalistas (vergonha da profissão) embarcaram nesse otimismo de classe média. "Nunca traia seu desejo", dirão os traidores da psicanálise.
Sabe-se muito bem que é o desejo que nos trai porque ele está e vai além do que, muitas vezes, conseguimos suportar.
Uma das grandes tragédias de nosso tempo é o fato de que não existem mais recursos "simbólicos" para aqueles que resistem ao desejo em nome de "um bem maior", como no caso da família, do casamento, ou simplesmente resistir a virar canalhas com desculpas do marketing. O legal é ser "escroto" se dizendo "livre". A "ética do desejo", que recusa abrir mão do próprio desejo em nome de algo maior do que ele, destruiu a noção de caráter.
Para a moçada do marketing do desejo, resistir ao desejo é coisa de gente idiota e mal resolvida porque ter caráter não deixa você muito feliz o tempo todo.
É verdade que resistir ao desejo não garante felicidade alguma, mas uma cultura dominada pela ideia de felicidade é uma cultura de frouxos. Mas outra verdade, não menor do que a anterior, é que o desejo pode ser um companheiro traiçoeiro. A afetação da felicidade faz de nós retardados mentais. Eu nunca confio em gente feliz.
O mestre Freud dizia que o desejo é desejo de morte. Afirmação dura. Mas o que ela carrega em si é o que já sabemos: o desejo nos aproxima do nada (morte) porque desvaloriza tudo que temos. Por isso, quando movidos por ele, sem o cuidado de quem se sabe parte de uma espécie louca, flertamos com o valor zero de tudo.
Já disse antes que acho palestras assim a coisa mais brega que existe. Mais brega do que isso só mesmo achar que o mundo melhorou porque existe o Facebook.
A
melhor forma de manter a dignidade na era do Facebook (se você não
resistir a ter um) é não contar para ninguém que você tem um Facebook.
Quase tudo é bobagem nas redes sociais porque o ser humano é banal e
vive uma vida quase sempre monótona e previsível.
E a monotonia é o traje cotidiano do vazio. E a rotina é o modo civilizado de enfrentar o caos, outra face do vazio.
A
ideia de que aprendemos a falar porque quisemos "conhecer" o mundo é
falsa. Segundo os evolucionistas, é mais provável que tenhamos aprendido
a falar para falar mal dos outros e fofocar.O "Face" é, neste sentido, um artefato paleontológico que prova que nada mudou.
Sempre se soube que não basta à mulher de Cesar ser honesta, ela tem que parecer honesta, portanto, a imagem de honesta é mais importante do que a honestidade em si. Mas aqui, o foco é diferente: aqui a questão é a hipocrisia como substância da moral pública. Todo mundo sabe que a mentira é a mola essencial do convívio civilizado.
No caso de frases como a citada no primeiro parágrafo, comum em palestras de motivação em recursos humanos, é que são oferecidas como "verdades construtivas de comportamento". E não como o que verdadeiramente são: estratégias para desgraçados e "losers" se sentirem melhor.
Ficamos covardes. Fosse esta geração de jovens europeus (que só sabe pedir direitos e iPads) que tivesse que enfrentar Hitler, ele teria ganhado a guerra.
Provavelmente esses estragados por décadas de "estado de bem-estar social" teriam dito "não à guerra em nome da paz". Grande parte do estrago que Hitler fez no início foi causada por gente que gostava de dizer que a paz sempre é possível. Gente medrosa mesmo.
Mas nossa época, como eu costumo dizer muitas vezes, é a época do marketing de comportamento. A "ciência da mentira dos losers". Dentro desta disciplina geral, existe o marketing do desejo, especializado em mentir para as pessoas dizendo que "sim, confie no seu desejo que tudo dará certo".
Mesmo alguns psicanalistas (vergonha da profissão) embarcaram nesse otimismo de classe média. "Nunca traia seu desejo", dirão os traidores da psicanálise.
Sabe-se muito bem que é o desejo que nos trai porque ele está e vai além do que, muitas vezes, conseguimos suportar.
Uma das grandes tragédias de nosso tempo é o fato de que não existem mais recursos "simbólicos" para aqueles que resistem ao desejo em nome de "um bem maior", como no caso da família, do casamento, ou simplesmente resistir a virar canalhas com desculpas do marketing. O legal é ser "escroto" se dizendo "livre". A "ética do desejo", que recusa abrir mão do próprio desejo em nome de algo maior do que ele, destruiu a noção de caráter.
Para a moçada do marketing do desejo, resistir ao desejo é coisa de gente idiota e mal resolvida porque ter caráter não deixa você muito feliz o tempo todo.
É verdade que resistir ao desejo não garante felicidade alguma, mas uma cultura dominada pela ideia de felicidade é uma cultura de frouxos. Mas outra verdade, não menor do que a anterior, é que o desejo pode ser um companheiro traiçoeiro. A afetação da felicidade faz de nós retardados mentais. Eu nunca confio em gente feliz.
O mestre Freud dizia que o desejo é desejo de morte. Afirmação dura. Mas o que ela carrega em si é o que já sabemos: o desejo nos aproxima do nada (morte) porque desvaloriza tudo que temos. Por isso, quando movidos por ele, sem o cuidado de quem se sabe parte de uma espécie louca, flertamos com o valor zero de tudo.
Nada
disso significa abrir mão do desejo, mas sim saber que ele nos faz
animais que caminham sobre tumbas que sorriem para nós como mulheres
fáceis. Resistir ao desejo talvez seja uma das formas mais discretas de
amar a vida.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
VIRA-LATAS, Pondé
O brasileiro tem complexo de vira-lata. Adora bancar o chique falando mal de si mesmo.
Principalmente quando alguém chique (leia-se, europeu) fala mal do Brasil. Um modo específico de nosso complexo de vira-lata é achar a Europa o máximo.
Quem conhece bem a Europa e ultrapassou a caipirice de achar tudo lindo por lá sabe que os europeus são (também) arrogantes, metidos, preconceituosos e exploradores e pensam, ainda hoje, que somos uns "índios" mal alimentados, ignorantes e mal-educados.
Claro que há exceções, portanto, não se faz necessário que europeus me escrevam jurando que são legais, ou que seus avós são legais, ou que seus cachorros são criados com todos os direitos humanos, mesmo porque, apesar de que isso não é sabido, ninguém pode ajuizar sobre sua própria virtude.
Lamento pela gente que se julga "crítica e consciente", mas todo mundo que se acha legal por definição é um mentiroso.
Se você for uma leitora que um dia mochilando pela Europa transou com um europeu (europeus costumam adorar brasileiras, porque acham nossas mulheres fáceis e doces, coisa rara nas mulheres europeias de hoje em dia, que a cada dia se tornam mais chatas, competitivas e estéreis), não confunda o papo que teve com ele antes do coito com o fato de que os europeus nos acham subdesenvolvidos. Inclusive porque para eles você é fácil porque é subdesenvolvida.
Sim, achar a Europa o máximo é coisa de gente caipira e brega. Se você pensa assim, tome um remédio. Ou minta.
Recentemente, um intelectual europeu em visita ao Brasil fez críticas ao país. Nada que não saibamos sobre nós mesmos. Mas, logo, alguns intelectuais e artistas vira-latas tiveram um orgasmo porque o "sinhozinho" falou mal das "zelites".
Sim, a elite brasileira pode ser bem brega na sua condição de elite de colônia. E horrorosa na sua ignorância "luxuosa". Aqui, ostentação é destino. Pessoas educadas sabem que a felicidade (seja lá no que for) deve ser guardada a sete chaves. Só gente brega "mostra" que é feliz. Neste caso, um toque de melancolia é elegância.
Por exemplo, o hábito de cultuar restaurantes pretensiosos como "de Primeiro Mundo" porque são caros é comum entre nós.
Dizer que você esteve em tal restaurante "caríssimo" (sempre pretensioso) é atestado de breguice. Mas julgar alguém "superinteligente" porque vem da Europa também é brega.
É fácil posar de "culto e crítico" e ficar horrorizado com nossas injustiças sociais quando se teve a chance de ganhar muito dinheiro ao longo da história à custa das injustiças sociais dos outros. Europeu que se faz de rogado pela injustiça no mundo só cola em vira-lata.
Por outro lado, se a riqueza cultural europeia é óbvia, e não se trata de negar este fato, ela se deve em grande parte às injustiças sociais europeias do passado e não ao seu "estado de bem-estar social" atual. Este tipo de "estado" produz apenas banalidades e monotonias de classe média.
Uma grande falácia é supor que injustiça social e riqueza cultural sejam excludentes, pelo contrário. Ou que justiça social produza necessariamente originalidade intelectual.
Não sou um "patriota", patriotismo é para canalhas. Calabar -que optou pelos holandeses em detrimento dos portugueses no Pernambuco colonial- pode ter razão. Falo aqui apenas de nosso complexo de vira-lata.
É muito comum que grandes intelectuais estrangeiros venham a nossa terra inculta e falem um "feijão com arroz" básico supondo que somos ignorantes mesmo e por isso não precisam suar a camisa diante de nossas plateias que sacodem seus ouros, exibem seus decotes e orelhas de livros.
Já vi isso acontecer várias vezes. Também no mundo acadêmico isso acontece, não só no mundo da filosofia de luxo.
Um grande professor que tive e que vive na Europa há anos me disse certa feita que até hoje os europeus não acreditam que "na volta das caravelas que colonizaram as Américas" pode haver algum "índio" que seja igual ou melhor do que eles.
A afetação moral em europeus não é muito diferente da afetação intelectual de nossos decotes de marca.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Sadômasô sustentável. - PONDÉ
O tédio é um dos maiores infernos humanos. Como diz a personagem mais legal do filme "Late Bloomers", com William Hurt e Isabella Rossellini, a bisavó pirada da família: "Se você é criança e não aprende a lidar com o tédio, quando cresce fica idiota".
Uma das piores formas de tédio é a estrutura sexual perversa. Ou, como alguns dizem por aí, "sadômasô" (o que antigamente era chamado de "sadomasoquista", no tempo em que era feio ser sadomasoquista). Não vou entrar em debates intermináveis sobre o que a "perversão" é, vou dizer claramente o que quero dizer com esta palavra e por que a perversão sempre me parece entediante.
Recentemente, na sua versão "sustentável", ela deixa ainda mais claro como é um cachorro desdentado. Você não sabe o que é um "sadômasô" sustentável?
Perversos, "descendentes" do chato Marquês de Sade, supervalorizado na filosofia, se acham o máximo porque pensam que realizam as fantasias que os neuróticos sonham e não têm coragem de realizar.
Enganam-se eles. A vida sexual do perverso é que é chata: queimar e ser queimado, bater e apanhar, ser amarrado e amarrar, máscaras de coro, caras que se vestem de colegiais e mulheres de bombeiro, gente que acha o pé da mulher seu melhor órgão sexual... "boring". Elas têm coisa muito melhor...
O Eros do sexo é o pecado, a vergonha, a culpa, a impossibilidade. A proibição, o medo. A vergonha é tão importante quanto imaginar a mulher por baixo da saia justa ao invés de vê-la de forma obviamente nua.
Quem não sabe disso não entende nada de orgasmo. Quem diz coisas como "É proibido proibir" é bobo e devia continuar fazendo suas festas em bufês infantis.
A palavra "sustentável" hoje em dia é como "ética", "Cabala", não quer dizer nada. É como escrever na porta de uma padaria "sob nova direção" só para atrair clientes. Propaganda provinciana.
No sentido que uso aqui, "sustentável" quer dizer "do bem", "inócuo", "corretinho". Por exemplo, temos até serial killersustentável, o Dexter, da série homônima, serial "killer" que só mata serial killers. Limpinho como um "crente" da classe C.
Prefiro Jack, o estripador, que estripava prostitutas porque estas encarnam a mais antiga das vocações femininas e, por isso mesmo, uma das suas maiores delícias. Prostituta não é uma profissão, mas uma vocação, um arquétipo, como a "grande mãe".
O coitado do Sade ficaria horrorizado com o que fizeram de sua "Filosofia da Alcova", um livro para formar libertinos contra o sistema opressor no século 18. Você já reparou como todo mundo que quer nos libertar da opressão moral acaba ficando monótono e datado?
O que para Sade deveria ser uma transgressão terrível virou um jantar inteligente para gente que recicla lixo e, depois de tomar um "vinho em conta", goza chupando pés femininos. Em alguns anos, teremos pedófilos que também reciclam lixo e são budistas de butique.
Os "sadômasôs sustentáveis" dizem que você pode ser um deles e ser uma pessoa que não joga lixo na rua, que vota conscientemente, que é contra a indústria farmacêutica e ajuda velhinhas cegas a atravessar a rua.
De repente, até vão para encontros em salas escuras com sua "dominatrix" brincar de "escravos" depois da reunião de pais e mestres na escolinha do filho, que, é claro, não é um problemático como o filho do casal de neuróticos.
Logo serão capazes de dizer que gostar de ser espancado, queimado, mijado na boca e humilhado é harmônico com Jesus.
Os culpados por terem feito da filosofia do Sade um cachorro desdentado foram a moçadinha do "vamos desreprimir o sexo" ou do "gostar que mijem na sua cara também é cultura". Um modo "digno" de protestar.
Em matéria de protesto, ainda prefiro Lutero, Calvino e os pirados da Nova Inglaterra.
A personagem feminina do livro "A Letra Escarlate", de Nathaniel Hawthorne, autor americano do século 19 (o filme baseado no livro, com Demi Moore, é ruim porque faz dela uma feminista injustiçada, ainda mais "boring" do que Sade...), é um hino ao erotismo na mulher. Toda culpada, toda condenada, toda humilhada, toda possuída.
Uma das piores formas de tédio é a estrutura sexual perversa. Ou, como alguns dizem por aí, "sadômasô" (o que antigamente era chamado de "sadomasoquista", no tempo em que era feio ser sadomasoquista). Não vou entrar em debates intermináveis sobre o que a "perversão" é, vou dizer claramente o que quero dizer com esta palavra e por que a perversão sempre me parece entediante.
Recentemente, na sua versão "sustentável", ela deixa ainda mais claro como é um cachorro desdentado. Você não sabe o que é um "sadômasô" sustentável?
Perversos, "descendentes" do chato Marquês de Sade, supervalorizado na filosofia, se acham o máximo porque pensam que realizam as fantasias que os neuróticos sonham e não têm coragem de realizar.
Enganam-se eles. A vida sexual do perverso é que é chata: queimar e ser queimado, bater e apanhar, ser amarrado e amarrar, máscaras de coro, caras que se vestem de colegiais e mulheres de bombeiro, gente que acha o pé da mulher seu melhor órgão sexual... "boring". Elas têm coisa muito melhor...
O Eros do sexo é o pecado, a vergonha, a culpa, a impossibilidade. A proibição, o medo. A vergonha é tão importante quanto imaginar a mulher por baixo da saia justa ao invés de vê-la de forma obviamente nua.
Quem não sabe disso não entende nada de orgasmo. Quem diz coisas como "É proibido proibir" é bobo e devia continuar fazendo suas festas em bufês infantis.
A palavra "sustentável" hoje em dia é como "ética", "Cabala", não quer dizer nada. É como escrever na porta de uma padaria "sob nova direção" só para atrair clientes. Propaganda provinciana.
No sentido que uso aqui, "sustentável" quer dizer "do bem", "inócuo", "corretinho". Por exemplo, temos até serial killersustentável, o Dexter, da série homônima, serial "killer" que só mata serial killers. Limpinho como um "crente" da classe C.
Prefiro Jack, o estripador, que estripava prostitutas porque estas encarnam a mais antiga das vocações femininas e, por isso mesmo, uma das suas maiores delícias. Prostituta não é uma profissão, mas uma vocação, um arquétipo, como a "grande mãe".
O coitado do Sade ficaria horrorizado com o que fizeram de sua "Filosofia da Alcova", um livro para formar libertinos contra o sistema opressor no século 18. Você já reparou como todo mundo que quer nos libertar da opressão moral acaba ficando monótono e datado?
O que para Sade deveria ser uma transgressão terrível virou um jantar inteligente para gente que recicla lixo e, depois de tomar um "vinho em conta", goza chupando pés femininos. Em alguns anos, teremos pedófilos que também reciclam lixo e são budistas de butique.
Os "sadômasôs sustentáveis" dizem que você pode ser um deles e ser uma pessoa que não joga lixo na rua, que vota conscientemente, que é contra a indústria farmacêutica e ajuda velhinhas cegas a atravessar a rua.
De repente, até vão para encontros em salas escuras com sua "dominatrix" brincar de "escravos" depois da reunião de pais e mestres na escolinha do filho, que, é claro, não é um problemático como o filho do casal de neuróticos.
Logo serão capazes de dizer que gostar de ser espancado, queimado, mijado na boca e humilhado é harmônico com Jesus.
Os culpados por terem feito da filosofia do Sade um cachorro desdentado foram a moçadinha do "vamos desreprimir o sexo" ou do "gostar que mijem na sua cara também é cultura". Um modo "digno" de protestar.
Em matéria de protesto, ainda prefiro Lutero, Calvino e os pirados da Nova Inglaterra.
A personagem feminina do livro "A Letra Escarlate", de Nathaniel Hawthorne, autor americano do século 19 (o filme baseado no livro, com Demi Moore, é ruim porque faz dela uma feminista injustiçada, ainda mais "boring" do que Sade...), é um hino ao erotismo na mulher. Toda culpada, toda condenada, toda humilhada, toda possuída.
O erro de Foucault - 21/11/11 - PONDE
Você sabia que o pensador da nova esquerda Michel Foucault foi um forte simpatizante da revolução fanática iraniana de 1979? Sim, foi sim, apesar de seu séquito na academia gostar de esconder esse "erro de Foucault" a sete chaves.
Fico impressionado quando intelectuais defendem o Irã dizendo que o Estado xiita não é um horror.
O guru Foucault ainda teve a desculpa de que, quando teve seu "orgasmo xiita", após suas visitas ao Irã por duas vezes em 1978, e ao aiatolá Khomeini exilado em Paris também em 1978, ainda não dava tempo para ver no que ia dar aquilo.
Desculpa esfarrapada de qualquer jeito. Como o "gênio" contra os "aparelhos da repressão" não sentiu o cheiro de carne queimada no Irã de então? Acho que ele errou porque no fundo amava o "Eros xiita".
Mas como bem disse meu colega J. P. Coutinho em sua coluna alguns dias atrás nesta Folha, citando por sua vez um colunista de língua inglesa, às vezes é melhor dar o destino de um país na mão do primeiro nome que acharmos na lista telefônica do que nas mãos do corpo docente de algum departamento de ciências humanas. E por quê?
Porque muitos dos nossos colegas acadêmicos são uns irresponsáveis que ficam fazendo a cabeça de seus alunos no sentido de acreditarem cegamente nas bobagens que autores (como Foucault) escrevem em suas alcovas.
No recente caso da USP, como em tantos outros, o fenômeno se repete. O modo como muito desses "estudantes" (muitos deles nem são estudantes de fato, são profissionais de bagunçar o cotidiano da universidade e mais nada) agem, nos faz pensar no tipo de fé "foucaultiana" numa "espiritualidade política contra as tecnologias da repressão".
E onde Foucault encontrou sua inspiração para esse nome chique para fanatismo chamado "espiritualidade política"?
Leiam o excelente volume "Foucault e a Revolução Iraniana", de Janet Afary e Kevin B. Anderson, publicado pela É Realizações, e vocês verão como a revolução xiita do Irã e seu fascínio pelo martírio e pela irracionalidade foram importantes no "último Foucault".
As ciências humanas (das quais faço parte) se caracterizam por sua quase inutilidade prática e, portanto, quase impossibilidade de verificação de resultados.
Esse vazio de critérios de aplicação garante outro tipo de vazio: o vazio de responsabilidade pelo que é passado aos alunos.
Muitos docentes simplesmente "lavam o cérebro" dos alunos usando os "dois caras" que leram no doutorado e que assumem ter descoberto o que é o homem, o mundo, e como reformá-los. Duvide de todo professor que quer reformar o mundo a partir de seu doutorado.
Não é por acaso que alunos e docentes de ciências humanas aderem tão facilmente a manifestações vazias, como a recente da USP, ou a quaisquer outras, como a dos desocupados de Wall Street ou de São Paulo.
Essa crítica ao vazio prático das ciências humanas já foi feita mesmo por sociólogos peso pesado, em momentos distintos, como Edmund Burke, Robert Nisbet e Norbert Elias.
Essa crítica não quer dizer que devemos acabar com as ciências humanas, mas sim que devemos ficar atentos a equívocos causados por essa sua peculiar carência: sua inutilidade prática e, por isso mesmo, como decorrência dessa, um tipo específico de cegueira teórica. Nesse caso, refiro-me ao seu constante equívoco quanto à realidade.
Trocando em miúdos: as ciências humanas e seus "atores sociais" viajam na maionese em meio a seus delírios em sala de aula, tecendo julgamentos (que julgam científicos e racionais) sem nenhuma responsabilidade.
Proponho que da próxima vez que "os indignados sem causa" ocuparem a faculdade de filosofia da USP (ou "FeFeLeCHe", nome horrível!) que sejam trancados lá até que descubram que não são donos do mundo e que a USP (sou um egresso da faculdade de filosofia da USP) não é o quintal de seus delírios.
Agem com a USP não muito diferente da falsa aristocracia política de Brasília: "sequestram" o público a serviço de seus pequenos interesses.
No caso desses "xiitas das ciências humanas", seus pequenos delírios de grande "espiritualidade política".
domingo, 20 de novembro de 2011
Zumbi dos Palmares: herói de quê?
Juventude Conservadora da UnB: Zumbi dos Palmares: herói de quê?: Hoje é dia 20 de novembro. Para aqueles que não sabem, esse dia foi instituído como sendo o Dia Nacional da Consciência Negra pela Lei nº...
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
ONTOLOGIA LEVIANA DOS SEIOS - Pondé
Hoje acordei um tanto leviano. Em dias assim, falo a sério de filosofia. O niilista respira identificando em toda parte a morte da metafísica. Pra quem não sabe, a metafísica é a "ciência" segundo a qual existiria um mundo de formas eternas e plenas, invisível aos olhos, mas visível ao "espírito".
Engraçado como muita gente combate a artificialização da beleza do corpo em nome de uma beleza "natural". O que essa gente não entende é que se a metafísica morreu, a existência de uma natureza "natural" também morreu, porque tudo neste mundo da matéria é impermanente, vago, impreciso, e, acima de tudo, dolorido.
Com a morte de Deus (símbolo máximo da morte da metafísica), o corpo velho é apenas um corpo feio e decadente. Se Deus não existe, toda beleza artificial é permitida. Logo, viva o silicone.
Mas não quero falar de Deus, quero falar de seios.
A vida pode ser miserável e pequena. Triste constatação. Mas miserável pode ser apenas a constatação de que anatomia é destino, como dizia Freud. O corpo, essa massa mortal que perde a forma com o tempo, é nosso lar, uma casa em que habitamos e que nos abandona, deixando-nos a herança do pó.
"A Pele em que Habito", título do novo e maravilhoso filme de Almodóvar, define nosso destino. Mas não vou falar do filme, pois é aquele tipo de filme de que quanto menos se fala, melhor, porque quando se fala dele, corre-se o risco de falar demais.
O freudiano, agostiniano e dostoievskiano Nelson Rodrigues, o maior filósofo brasileiro, escreveu um livro chamado "Asfalto Selvagem, Engraçadinha, Seus Pecados e Seus Amores", no qual a heroína Engraçadinha, segundo ele, seria infeliz porque tinha seios belos demais.
O mundo não perdoa a (a falta de) beleza, seja ela visível ou invisível. Por um seio bonito, mata-se e morre-se. No mínimo paga-se caro.
Acho que o SUS deveria pagar cirurgias plásticas para mulheres pobres colocarem silicone nos seios. Por que não? Travestis gozam de cirurgias de mudança de sexo, por que nossas mulheres não deveriam ter o direito de ficarem mais belas?
Ontologia é a disciplina da filosofia que estuda as essências das coisas e dos seres vivos. A ontologia diz o que você é. A ontologia da mulher passa pelos seios, pelas pernas e pela doçura, assim como a do homem pela potência e pelo dinheiro. O resto é mentira.
Tanta tinta corre no mundo em nome da política e da economia, e, ainda assim, os seios podem decidir a vida e o amor verdadeiro. Diante deles, a alma desfalece em desejo. Como disseram filósofos no passado, se o nariz de Cleópatra fosse diferente, a história do Ocidente teria sido outra.
Fala-se muito que devemos dar valor à alma, ao que se tem "dentro de si", ao que se "é", e não ao que se "tem", mas, o dia a dia, aquele mesmo em que acordamos atordoados pela constante constatação de nossas carências e impotências, parece dizer o contrário. O futuro pode sim ser julgado pela beleza dos seios.
Isso pode ser um indicativo da solidão do mundo no qual só a matéria existe. O niilismo, assim como o Demônio, o maior de todos os humanistas, respeita a angústia das feias.
Este fato, como todo fato obscenamente verdadeiro, pede silêncio de nossa parte. Mas eu, que peco constantemente em nome do vício, confesso: as pessoas quase sempre fazem tudo pelo que podem ter e não pelo que podem ser. E, muitas vezes, o "ser" é decorrente do "ter". E não falo de grana, falo de seios.
Fosse Platão um admirador do sexo frágil, abriria seu diálogo "O Banquete" (sobre o amor) pela ontologia dos seios da mulher.
Sendo assim, a indústria da beleza deveria receber maior atenção da filosofia e não apenas suas pedras de desprezo.
Colocar silicone pode ser um pedido discreto de amor. Uma forma tímida de buscar o olhar negado. Com o tempo, a forma dos seios abandona o mundo, ficando presa no mundo miserável do passado. Não se pode pegar com a mão ou com a boca a lembrança dos seios perdidos, apenas a forma dos seios reconstituídos.
A beleza artificial é uma batalha discreta contra o vazio do corpo e da alma.
Engraçado como muita gente combate a artificialização da beleza do corpo em nome de uma beleza "natural". O que essa gente não entende é que se a metafísica morreu, a existência de uma natureza "natural" também morreu, porque tudo neste mundo da matéria é impermanente, vago, impreciso, e, acima de tudo, dolorido.
Com a morte de Deus (símbolo máximo da morte da metafísica), o corpo velho é apenas um corpo feio e decadente. Se Deus não existe, toda beleza artificial é permitida. Logo, viva o silicone.
Mas não quero falar de Deus, quero falar de seios.
A vida pode ser miserável e pequena. Triste constatação. Mas miserável pode ser apenas a constatação de que anatomia é destino, como dizia Freud. O corpo, essa massa mortal que perde a forma com o tempo, é nosso lar, uma casa em que habitamos e que nos abandona, deixando-nos a herança do pó.
"A Pele em que Habito", título do novo e maravilhoso filme de Almodóvar, define nosso destino. Mas não vou falar do filme, pois é aquele tipo de filme de que quanto menos se fala, melhor, porque quando se fala dele, corre-se o risco de falar demais.
O freudiano, agostiniano e dostoievskiano Nelson Rodrigues, o maior filósofo brasileiro, escreveu um livro chamado "Asfalto Selvagem, Engraçadinha, Seus Pecados e Seus Amores", no qual a heroína Engraçadinha, segundo ele, seria infeliz porque tinha seios belos demais.
O mundo não perdoa a (a falta de) beleza, seja ela visível ou invisível. Por um seio bonito, mata-se e morre-se. No mínimo paga-se caro.
Acho que o SUS deveria pagar cirurgias plásticas para mulheres pobres colocarem silicone nos seios. Por que não? Travestis gozam de cirurgias de mudança de sexo, por que nossas mulheres não deveriam ter o direito de ficarem mais belas?
Ontologia é a disciplina da filosofia que estuda as essências das coisas e dos seres vivos. A ontologia diz o que você é. A ontologia da mulher passa pelos seios, pelas pernas e pela doçura, assim como a do homem pela potência e pelo dinheiro. O resto é mentira.
Tanta tinta corre no mundo em nome da política e da economia, e, ainda assim, os seios podem decidir a vida e o amor verdadeiro. Diante deles, a alma desfalece em desejo. Como disseram filósofos no passado, se o nariz de Cleópatra fosse diferente, a história do Ocidente teria sido outra.
Fala-se muito que devemos dar valor à alma, ao que se tem "dentro de si", ao que se "é", e não ao que se "tem", mas, o dia a dia, aquele mesmo em que acordamos atordoados pela constante constatação de nossas carências e impotências, parece dizer o contrário. O futuro pode sim ser julgado pela beleza dos seios.
Isso pode ser um indicativo da solidão do mundo no qual só a matéria existe. O niilismo, assim como o Demônio, o maior de todos os humanistas, respeita a angústia das feias.
Este fato, como todo fato obscenamente verdadeiro, pede silêncio de nossa parte. Mas eu, que peco constantemente em nome do vício, confesso: as pessoas quase sempre fazem tudo pelo que podem ter e não pelo que podem ser. E, muitas vezes, o "ser" é decorrente do "ter". E não falo de grana, falo de seios.
Fosse Platão um admirador do sexo frágil, abriria seu diálogo "O Banquete" (sobre o amor) pela ontologia dos seios da mulher.
Sendo assim, a indústria da beleza deveria receber maior atenção da filosofia e não apenas suas pedras de desprezo.
Colocar silicone pode ser um pedido discreto de amor. Uma forma tímida de buscar o olhar negado. Com o tempo, a forma dos seios abandona o mundo, ficando presa no mundo miserável do passado. Não se pode pegar com a mão ou com a boca a lembrança dos seios perdidos, apenas a forma dos seios reconstituídos.
A beleza artificial é uma batalha discreta contra o vazio do corpo e da alma.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Geração Capitão Planeta - Pondé
Você se lembra do desenho "Capitão Planeta"? Nele um grupo de jovens de várias etnias (brancos, negros, amarelos, vermelhos, enfim, todas as "cores do arco-íris") defendia o planeta.
Acho que "Capitão Planeta" deveria ser o patrono dos "novos jovens" que invadiram Wall Street , o Viaduto do Chá e a USP. Estes, então, são ridículos, se acham acima da lei e não querem polícia no campus. Como ficam as alunas violentadas? Devem pedir ajuda para o fantasma de Foucault?
Muito professor-cheerleader é culpado por isso quando fala de "jovens que lutam por um mundo melhor". Este "mundo melhor" é o que eles têm na cabeça e que implica sempre eliminar quem não concorda com eles (o movimento estudantil sempre foi extremamente autoritário).
E não existe "o jovem", jovens são múltiplos e muitos não concordam com os baderneiros que invadiram a Faculdade de Filosofia da USP. Quando você tem 12 anos, um desenho como esse "emociona". Depois dos 18 anos, se você ainda acredita "no mundo do Capitão Planeta", é porque não fez os passos naturais do amadurecimento mental.
A diferença entre eles e a última geração revolucionária de fato (Fidel Castro e Che Guevara) é que enquanto "los hermanos" de Cuba, enfrentaram inimigos à bala, essa moçadinha, que acha que "todas as diferenças podem conviver lado a lado" (até a primeira briga de ciúme entre dois caras pela menina mais gostosa do grupo, aliás, coisa rara nesse meio), ao primeiro tiro correria para casa para brincar com o seu iPad.
A mídia ideológica, cansada do marasmo desde maio de 1968 (aquela "revolução francesa" dos estudantes entediados que acabou numa noite gostosa de queijos e vinhos), abraçou esses "movimentos" como um novo "partido mundial dos jovens".
Engraçado como gente (os "jovens") que não paga suas contas (papai as paga ou alguma instituição) acha que pode "resolver" o mundo.
Para provar a piada, basta lembrar que Wall Street é um reduto do Partido Democrata americano, logo, do Obama, o "Messias avatar" dessa moçada, fato que a maioria desses "invasores" do templo capitalista não sabe.
Esta "invasão" de Wall Street foi uma modinha das grandes cidades da costa americana, assim como seus desfiles de moda, seus chefs de cozinha étnica e seu gosto por clássicos da literatura somali, sem os quais o mundo não seria a mesma coisa...
A "invasão" marca o descontentamento de desempregados e a irritação com os ganhos dos bancos nos últimos anos em meio à crise. No caso dos EUA, ninguém deu ouvidos a eles na "América profunda". A mídia tentou fazer deles representantes da América porque a maior parte da mídia é "Capitão Planeta".
Um objeto fetiche desses caras é a Primavera Árabe. Assim como o restante desses movimentos dos últimos meses, todos diferentes entre si, o árabe pode ter diferenças importantes internas ao próprio mundo árabe.
Peguemos a "secular" Tunísia como exemplo. Berço da "Primavera Árabe", conforme muitos previram, ela deu a primeira vitória das urnas a um partido islâmico (como queríamos demonstrar... Aliás, ao contrário do que a geração de intelectuais "Capitão Planeta" dizia sobre "não haver risco de os islamitas ganharem as eleições"). Islamita é o nome técnico para fundamentalismo islâmico político e/ou "militar".
Apesar de o partido em questão, Nahda, jurar que abandonará suas propostas fundamentalistas (ele era ilegal durante a ditadura "secular" da Tunísia justamente por ser fanático), veremos se suas juras serão verdadeiras.
Especialistas esperam que esses islamitas, quando chegarem ao poder, usem como modelo o partido islâmico moderado da Turquia.
Na Turquia, índices como a presença de mulheres nos quadros funcionais do governo diminuíram significativamente nos anos em que o islamismo moderado turco tem estado no poder. Isso significa uma "islamização" da máquina administrativa. Islamitas tratam as mulheres como animais de estimação.
Ocidentais que não conhecem o Oriente Médio pensam que a maioria da população lá é do tipo "paz, amor e viva a diferença". Pura ignorância.
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Diário de bordo
Viajar bem é loteria. Nunca se sabe o que vai acontecer.
Já consegui assisitir bons filmes no ônibus. Nunca me esqueci de um filme dos anos 60, chamado Barefoot in the park. Um típico filme dessa década.
Mas na semana passada os motoristas deveriam estar melancolicamente afetados. Durante as 5 horas de viagem me distrai entre Cidade dos Anjos e Outono em NY. No mesmo dia, na volta, provavelmente acometido por um sentimento mais trágico (no senso comum), foi passado Vôo United 93. Resumo da ópera: sem chances de sobreviventes em nenhum dos filmes.
E eu cheguei muito bem disposta em meu destino.
Hoje fui muito bem acompanhada de Nelson Rodrigues e A Cabra Vadia durante metade da viagem. Enquanto isso, Marley e Eu embalava - entre um soluço e outro - a viagem da garota na poltrona da frente.
Já consegui assisitir bons filmes no ônibus. Nunca me esqueci de um filme dos anos 60, chamado Barefoot in the park. Um típico filme dessa década.
Mas na semana passada os motoristas deveriam estar melancolicamente afetados. Durante as 5 horas de viagem me distrai entre Cidade dos Anjos e Outono em NY. No mesmo dia, na volta, provavelmente acometido por um sentimento mais trágico (no senso comum), foi passado Vôo United 93. Resumo da ópera: sem chances de sobreviventes em nenhum dos filmes.
E eu cheguei muito bem disposta em meu destino.
Hoje fui muito bem acompanhada de Nelson Rodrigues e A Cabra Vadia durante metade da viagem. Enquanto isso, Marley e Eu embalava - entre um soluço e outro - a viagem da garota na poltrona da frente.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Disneylândia de Jesus - Pondé
O
mundo acabou. Não viaje. Assista a filmes em casa ou vá para cidades
sem graça do interior. O mundo foi tomado por um tipo de praga que não
tem solução: os gafanhotos do sucesso da indústria do turismo.
O
horror começa nos aeroportos, que, graças ao terrorismo fundamentalista
islâmico, ficaram ainda piores com seus sistemas de segurança
infernais. Esse mesmo terrorismo fundamentalista que faz as
"cheerleaders" dos movimentos sociais sentirem "frisson" de prazer na
espinha.
Uma
grande figura do mercado de análise de comportamento me disse
recentemente que, em poucos anos, só os pobres (de espírito?) viajarão.
Tenho
mais certeza disso do que da aritmética de 2 + 2 = 4. Aeroportos serão o
último lugar onde você vai querer ser visto. Gostar de viajar hoje pode
ser um forte indício de que você não tem muita imaginação ou opção na
vida.
Veja,
por exemplo, o que aconteceu com os lugares sagrados de Jerusalém.
Aquilo virou uma Disneylândia de Jesus. Imagino que, dentro de alguns
anos, teremos atores fracassados do Terceiro Mundo vestidos de
Judas-Patetas, Maria-Branca de Neve, Tio Pôncio-Patinhas, Pedro-Duck e, é
claro, Mickey-Jesus-Mouse.
Locais religiosos sempre atraíram todo tipo de histeria. A proximidade com ela pode fazer você duvidar da existência de Deus.
Ateus
são fichinha em comparação à histeria religiosa como argumento contra a
viabilidade de um Deus bom e generoso. Nesse caso, a náusea faz de você
um ateu.
Às
vezes, tristemente, a diferença entre visitas belas a locais sagrados
parece ser apenas o número maior ou menor de nossos semelhantes crentes
em Deus. Ou, dito de outra forma, o inferno é um lugar onde tem muita
gente em surto místico.
Jesus
deve ter uma paciência de Jó, com seus fiéis cheios de máquinas
digitais e filmadoras chinesas querendo devassar a intimidade de sua mãe
e de seus discípulos mortos já há tantos séculos. Aliás, estou seguro
de que, em breve, Jesus será "made in China", "at last". Se assim
acontecer, terão razão aqueles que afirmavam ter sido ele um Messias
"fake"?
Pessoalmente,
torço para que Jesus sobreviva a essa "nova paixão", por obra da qual
ressuscitar deverá ser algo como um show de efeitos especiais feitos por
computação gráfica barata. Os fiéis pós-modernos deram um novo
significado à expressão nietzschiana "Deus está morto". Nesse caso, Deus
virou batata chips de free shop.
No
início dos anos 90, ainda era possível ir à catedral de Córdoba, na
Espanha, e experimentar sua beleza moura. Já em meados dos anos 2000,
ela era um terreno baldio para as invasões de gafanhotos.
Hoje,
estive (escrevo dias antes de você ler esta coluna) na igreja da
Agonia, em Jerusalém, conhecida também como igreja de Gethsêmani, local
onde Jesus teria suado sangue antes de ser preso. Um belíssimo local.
Em
seguida, alguns passos descendo a ladeira do monte das Oliveiras (onde
fica Gethsêmani), fui a outro local, maravilhoso, que não vou dizer qual
é porque espero que ninguém fique sabendo; assim, quem sabe, esse lugar
ainda durará algum tempo antes de virar mais um Hopi Hari de Jesus com
seu ruído de famílias de classe média em excursões místicas.
É
importante dizer que já fui a esses locais inúmeras vezes e que,
portanto, tive o desprazer de ver Jerusalém virar uma cidade devastada
pela horda de tarados com máquinas digitais e filmadoras chinesas. Além
de suas camisetas com slogans pela paz mundial.
Depois
da destruição de Jerusalém pelos romanos por volta do ano 70 d.C.,
vemos agora a infestação da cidade santa pelos histéricos pentecostais e
seus berros em nome do Espírito Santo.
Além,
é claro, dos judeus ortodoxos obsessivos mal-educados e dos muçulmanos
fanáticos com seu grito bárbaro "Allah Akbar" (Deus é grande). A
população secular de Jerusalém é cada vez mais oprimida pelos homens de
preto da ortodoxia judaica.
Alguns
desses são mesmo contra o Estado de Israel, porque só o Messias pode
reconstruir o "verdadeiro Estado judeu". Acho que deveriam ser todos
despachados para o Irã. Enfim, um filme de horror estrelado por
fanáticos, batatas e patetas.
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