O filme A Chegada (2016, Dennis Villeneuve) foi para mim um dos melhores rebentos de 2016. O enredo que, em princípio, poderia fazer a cabeça dos amantes de ficção científica - e somente isso - vai maravilhosamente além das expectativas.
Quando 12 naves extraterrestres pousam em diferentes locais do mundo ao mesmo tempo, o que nos resta? A resposta de Villeneuve: nos resta a linguagem, a comunicação. Nada mais difícil do que essa tarefa, a de entender e nos fazer entender.
Uma linguista (Amy Adams) é chamada para a árdua tarefa de fazer a comunicação homem-alienígena, e tem a ajuda de um físico (Jeremy Renner), que logo de cara anuncia que mais importante que a conversa, é a ciência. E logo então se pode inferir que um será o complemento perfeito do outro nessa relação: humana e exata ao mesmo tempo.
Mas para além da ficção científica e dos aliens - que passam a se comunicar diretamente com a linguista - há no enredo uma delicada relação do homem com outro extraterrestre: o tempo.
O tempo é o personagem mais importante dessa trama. Explico: Louise, a linguista, recebe um presente dos aliens, que entenderá apenas nos momentos finais do filme. Os ets (chamados de heptapodes) afirmam que Louise tem a arma para resolver qualquer questão humana importante: o domínio sobre o presente, o passado e o futuro, ou seja, o conhecimento completo do tempo. E é aqui que surge um dos conceitos mais fascinantes que Villeneuve parece propor: se você soubesse exatamente o que seria da sua vida, do começo ao fim, a viveria ainda assim? Eis a questão que um dos mais conhecidos filósofos indagou; Nietzsche com seu eterno retorno nos propõe o seguinte, em Gaia Ciência:
E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: ‘Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem – e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!’.
– Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!”. Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?‟, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela”.
Viveria essa vida, a mesma, da mesma forma, de novo e de novo e de novo? Essa é uma questão que não ouso responder. Mas Villeneuve responde a Nietzsche através de Louise. Com o que há de melhor e mais dolorido, dominando o tempo e a linguagem, a personagem aceita o fardo que só o tempo nos traz.
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