As histórias de terror do século XIX sempre me encantaram. Com frequência me questiono porque e então, quando volto aos clássicos, consigo entender um pouco melhor. Ou sentir, não sei.
O fato é que Frankenstein, Drácula e O Médico e o Monstro formam a tríade mais excitante do que viria a ser o romantismo do século XIX. A decadência do homem moderno, a incapacidade humana em entender a si mesmo, o desenvolvimento científico à serviço do mal; são estas algumas questões colocadas de forma genial por estas histórias. E todas me encantam.
Mas de todas, O Médico e o Monstro me toca de forma estranhamente profunda.
Que homem pode afirmar que jamais se apavorou diante das próprias escolhas e atos? Quem pode dizer que nunca sentiu uma ponta de vergonha ou culpa ao se olhar no espelho? Que atire a primeira pedra aquele que não esconde no mais profundo (ou superficial) de sua alma um desejo do seu dark side.
Jekyll e Hyde são absolutamente possíveis em cada um de nós. O melhor e o pior. O bem e o mal. E muitas vezes tudo o que basta para passar de um ao outro é apenas uma leve inclinação. Como quando um funcionário percebe na caligrafia de Hyde os mesmos aspectos de Jekyll. "As duas caligrafias são idênticas em muitos aspectos: só a inclinação é diferente". Somos muitos em um. O que nos transforma de mocinho em bandido muitas vezes é uma pequena inclinação, um leve ato, um detalhe.
Duas consciências, dois lados, um mesmo corpo. Os conflitos de Jekyll em aceitar o Hyde dentro de si foi sofrido, mas ao mesmo tempo a possibilidade de soltar o monstro se tornou irresistível. " A verdade de que o homem não é verdadeiramente um só, mas dois", afirmou Jekyll.
Leva um tempo para percebermos "o animal dentro de mim lambendo os nacos da memória". E quando esse lado toma conta do nosso ser, não nos resta muito a fazer a não ser tomar consciência do "horror ao meu outro eu".
A verdade é que encarar nossos Hydes é também nos olhar no espelho. é também encarar o seu outro eu, por mais odiável que ele seja, ainda é parte de quem você é.
Horrível ou não, espero que, por mais que meu Hyde dê as caras vez ou outra, eu não tenha o mesmo fim que dr. Jekyll.
Que meu Hyde permaneça (na maior parte do tempo) escondido.
La reproduction interdite, Magritte.
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