domingo, 2 de março de 2014

Por que a Beleza importa

A Grande Beleza é um daqueles filmes que não suporta o meio termo: é amado ou odiado. 
Logo nas primeiras cenas em ritmo frenético, embaladas por uma miscelânea bacante entre a música pop e a clássica, o personagem principal nos é apresentado: o jornalista Jep Gambardella, "o rei dos mundanos", um dândi pós-moderno, surgindo com seu indefectível terno alinhado, por entre as muitas mulheres de sua festa de aniversário. A câmera vira de ponta cabeça enquanto Jep saracoteia entre os convidados ao ritmo de "La Colita". E então, a cena desacelera e o tempo quase para quando se ouve os pensamentos de Jep pela primeira vez: "Para esta pergunta, quando jovem,meus amigos davam sempre a mesma resposta. A xana. Mas eu respondia outra coisa: O cheiro da casa dos velhos. A pergunta era: O que você mais gosta na vida? Eu estava destinado a sensibilidade".  
Eis a essência do filme. As disparidades entre vulgar e o clássico, o cafona e o belo. 
Jep havia possuído todos os tipos de mulheres até seus 65 anos, mas a beleza lhe escapara. 
Fellini  renasce com A Grande Beleza. É impossível dissociar este de La dolce Vita. Em ambos a decadência da vida mundana é exposta e escancarada pelos pensamentos de um jornalista em crise. Os cortes e montagens de cenas e planos de Sorrentino são descaradamente fellinianos. E então a beleza se espalha por todas as cenas. 
A Roma clássica é resgatada por Jep, que caminha com uma stripper - Ramona, a filha de um amigo de Jep -  por dentro de palácios, repletos esculturas romanas e quadros renascentistas. Os dois fugiram de mais uma festa incansável, onde o centro das atenções era uma garotinha raivosa que atirava latas de tinta sobre uma enorme tela. E, como por milagre ou mágica, atravessam um jardim acompanhados por um porteiro manco, detentor das chaves dos palácios. Ramona indaga o porteiro de como havia conseguido ser o guardião das chaves dos palácios. E esse responde: "Sou uma pessoa confiável". 
O contraponto é claro: há que se confiar no belo. No clássico. A modernidade renegou essa herança, e hoje, o que nos sobrou foi apenas um bando de crianças fingindo a arte e sendo aplaudidas pelo grande público. A modernidade profanou a beleza.
Em uma das cenas finais, Jep conhece uma freira tida por santa. Naquilo que é uma das mais lindas cenas do filme, a santa observa uma revoada de flamingos (quer ave mais bela que essa?) que pousou no terraço de Jep, e pergunta a ele por que nunca mais escreveu (Jep escreveu apenas um livro, responsável por toda sua fama no mundo das celebridades). Ao que esse responde: "Eu procurava a grande beleza. Mas não encontrei". A santa então pontua: "Sabe por que só como raízes? Por que raízes são importantes". 
Estar no mundo é viver pequenos lampejos de beleza. É o que Jep reflete quando revisita o primeiro amor e a primeira visão de beleza. 
O resto é tudo ilusão. 
La grande bellezza
2013
Paolo Sorrentino



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